Thaise Nardim estreia como alguém que publica poesias e enfrenta o inusitado do cotidiano. A poeta, aquela, como diz o poeta, que faz da luta com a palavra a luta mais vã, é colocada nessa tarefa por Thaise como a que capta a dimensão das coisas na balança do tempo — o seu tempo. Por isso, a realidade é entrecortada, como tem que ser — ganha um ritmo de quem faz graça porque não tem saída e sente para achar saída. Esses poemas, poemas de circunstâncias de poemas de circunstâncias, circunstancialmente pensados e tecidos a fios de ouro ou de cobre roubado do poste — como os que pensam, na tormenta ou no café da manhã, na padaria ou na performance, na obra de arte ou no modelo pronto, na conversa, no jardim, nos milênios.
Os poemas e a poeta às vezes se juntam, às vezes se separam, aranhas pensam com a teia, garante-se a proteção, o lugar de andar, sua armadilha e sua beleza: as teias — uma extensão do corpo, como as nossas caraminholas. Mas além e com o título tem a poesia, essa arte sutil, besta e grandiosa, que se faz no próprio ato da pena, na virtualidade do miúdo e no todo que rebenta o mapa da mina da humanidade.
A Thaise fez da sua inquietude intelectual-artística-política um deslocamento da exatidão que a palavra no poema exige. E fez muito bem. Louvo a sua estreia com essas passagens que tentam, intentam e encarnam uma prosa de vida, que é uma poética dela, das coisas, do cotidiano — do corpo em extensão e tudo, os seus adjetivos: “Tenho as pintas quebrando a monotonia da pele/e elas não significam nada até que sejam tumor” (“Interpretose”); e outro: “já cortei assim duas vezes;/tô ficando parecida com minha mãe;/tá no meio mas ainda posso pedir pra mudar;/foi isso que pedi mas acho que pedi errado;/quantos cortes será que já tive;/no fim das contas cabelo cresce rápido;” (“Cortes”); e mais: “Toda a tragédia que emergirá como afluente da correnteza dela./Filha criando a vida com suas linhas,/toda tragédia que emergirá como afluente da correnteza da mãe” (“Novela”). Poesia para ler e reler com partes do corpo e outras.
Marcelo Brice,
doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), professor na Universidade Federal do Tocantins (UFT) e atualmente realiza estágio pós-doutoral em Literatura na Universidade Nova de Lisboa.