Um livro que dança teias
Lia (com a licença da intimidade que este livro enseja) inventa uma trama singular na oferta de seus poemas. Ela secreta um fio a partir do que busca dentro e do que devora de outras teias; generosamente, vai desenhando-o ao encontro de cada um/a que se deixe fisgar.
Seu movimento poético aracnídeo está implicado no mesmo silêncio e lentidão de como se erigem os monumentos, por sua vez, alicerçados no desejo — sempre ele! Em suas páginas, Lia Krucken observa, aprende, nos ensina a delicadeza, os movimentos vagarosos para olhar e sentir, e discute conosco as virtudes do que é miúdo, quase invisível. Olhar é o mergulho antes do mergulho, instiga.
É assim que nos provoca a reparar na miudeza dos fazeres, do gesto que implica o fazer-a-vida vivível e vívida. Rara aranha-de-águas, Lia faz um vasto aninhamento de mundos. No folhear deste livro-teia, cataremos retratos e personagens que, afinal, são encontros — estes eventos que inventam o desejo, e vice-versa.
Assim, a reunião de Arachnida é uma cartografia que desdobra recados e cartas, conversas e leituras. Lia ainda forja raízes, como um modo, talvez, de não perder domínio sobre a própria mobilidade, que está amalgamada aos seus pertencimentos, num gerúndio de procuras e encontros.
A tecelã deste livro também nos desperta sensorialidades, quando nos conduz por sais e outras águas, por rios e matas, mundos de estórias, oralidades, geografias, gentes. Artista que labora com as mãos, ela experimenta o prazer de tear o livro à vista da leitora e do leitor, e para isso convoca corpo — o de quem escreve, a pelo menos oito mãos e oito olhos; e o corpo, ainda mais multiplicado, de quem lê e vibra na trama.
Tomamos contato com o conceito aracnídeo sublinhado em diferentes campos, desde um que é literal, na própria natureza, até um mais metafórico, que configura e se espalha desde o terreiro de axé para toda a comunidade em volta; ou até entre cidades, onde se espalham águas de diferentes fontes e histórias; ou mesmo entre pessoas e suas relações, seus cruzamentos de tempo, passado misturado ao futuro, etecetera.
De suas entranhas, Ananse estende uma ponte afrodiaspórica. Deus/deusa/divindade, subversiva mensageira, tem o poder de produzir centralidades, o fio conduz narrativa, o próprio fio o é. Assim, cada poema é flecha. Arachnida é um livro que dança teias e é uma carta de amor aos livros, às pessoas que são livro, aos eventos que ampliam a própria noção dessa coisa tão amada.
Deisiane Barbosa