Com um repertório de 17 peças teatrais, é possível apontar na dramaturgia de Éder Rodrigues um trabalho insistente em torno da memória pessoal e da coletiva.
Na obra A última rave do século xx (Delírio teatral em cinco atrações e um brinquedo) recupera-se a ideia de uma mulher perdida no museu da memória, mas agora o aprofundamento se estabelece no campo das subjetividades, das ausências e da dor: “Este século carrega uma ferida que mancha e não cicatriza. A dor extrema do que não confessamos nem para nós mesmas é sentida apenas no fundo”.
Esta peça do autor, que lhes convido a ler, resgata a personificação de uma mulher com idade acentuada, mas agora dentro de um parque de diversões fechado para o qual ela insiste em reacender centelhas e dar uma nova vida. Elementos do Teatro do Absurdo (uma mancha inexplicável, um lugar suspendido no tempo, sentimentos fora de órbita) se entrelaçam com falas poéticas e agudas, criando o inesquecível tom que demarca a dramaturgia autoral de Éder Rodrigues. De fato, toda a atmosfera da peça está impregnada desse tom que acentua os sintomas, as vertigens e as inusitadas intercorrências colocadas à prova nessa última noite que recorta o milênio. Além disso, a cena é constantemente entrecortada pela entrada de personagens que tensionam a emoção anestesiada de gerações e também pelas pequenas coisas que vão construindo nossa existência.
Finalmente, temos que fazer referência ao percurso da trama subdividido em sete círculos: A hipótese de um sonho, A alquimia dos estilhaços, Todo horizonte é um abismo disfarçado de foto, Carrossel dos corações abatidos, O corpo que resta, O mar tatuado no ventre, Estrela de mil pontas. Como na Divina Comédia, de Dante Alighieri, cada um dos círculos situa a personagem em uma outra dimensão: solidão, memórias, velhice, a fala amputada de décadas, sonhos recheados de fatos históricos relevantes que misturam a história e a ficção na mesma proporção. Aos poucos, o que antes parecia apenas um detalhe se conecta com o improvável e vai perfurando a alma das coisas.
Aparentemente se trata de um mero passeio por esse parque antigo, até que os séculos colidem. Talvez seja o passeio pela memória final. As leituras são múltiplas. O autor oferece diversas linguagens que desdobram o texto, aproximando-o das vias performáticas de uma montagem. Entre o poder de encantar e ferir com a mesma pontada, o que fica como certo é que para mergulhar nessa trama só precisamos desafivelar os cintos e “ter a sensação de que nada é real”.
Sara Rojo