Desde o título, a ficção de Daniel Françoli Yago se propõe a reverter os equívocos do mundo. Em seus contos o Titanic deve emergir de volta à superfície do oceano, que afinal é o seu lugar, e Moby Dick deve estar no céu, voando. E por que não resolver os dilemas da modernidade já no princípio de tudo, deixando que Eva e Lilith se unam para evitar dores e descaminhos futuros na trajetória do homem? Bem, talvez esse substantivo não seja mais útil no universo descortinado em A Ascensão do Titanic: o universo do paradoxo. E talvez o Homem Original não passasse de um xerox desvanecido a ser descartado.
A estreia de Yago é marcada pelo arrebatamento da imaginação — hiperreferencial e sinestésica, com acenos efusivos à cultura pop e literária —, em narrativas nas quais o comum se depara com o bizarro: castelos europeus no litoral brasileiro, wünderkammers em escala humana e seitas secretas de adoradores de buracos negros assombram estas páginas.
Os personagens de A Ascensão do Titanic certamente fugiram do circo de horrores de P.T. Barnum (ou quem sabe de um filme de Tod Browning ou Tim Burton), a fim de se esconderem na realidade. Agora estão numa carta de amor desesperada para o universo gótico dos contos de fada para adultos de Angela Carter, rasgada pelos medos e superstições da era vitoriana. O clima é extemporâneo, como se o passado persistisse estranhamente na consciência de narradores contemporâneos.
E há a forma mestiça, entre o conto e a novela quebrada, atravessada por diversos planos e dimensões complementares. Ou o lirismo de uma canção cantada por Rosie, a tubarão-branco encontrada num parque aquático abandonado e futura embaixatriz do Instituto Luísa Mell.
Sejam bem-vindas e bem-vindos, portanto, ao Gabinete de Curiosidades de Daniel Françoli Yago. Como porteiro deste prédio ficcional, tenho apenas um conselho: não seja tão curiosa, amiga leitora, não faça perguntas demais e lembre-se do que a curiosidade fez ao gato. E uma lembrança, amigo leitor: procure não gritar quando o Sol estiver se apagando.
Joca Reiners Terron