algumas vezes é preciso
cruzar a muralha da china
Mariana Paim
Para Milton Santos, cada lugar é um mundo inteiro, a partir da perspectiva de que o espaço gera uma tensão de forças que modifica a paisagem natural, cartográfica e psicossocial e dialoga entre si e para fora. Há entrecruzamento, violência, hibridismo e contágio (palavra tão cinzenta nesses dias, mas que na visão de Deleuze e Guattari ganha uma dimensão de possibilidades e resistência). Um lugar também é feito de vazios que se aproximam, se despem e trilham jornadas diversas, como ilhas, como línguas que, um dia nascidas, e com tanto a dizer, hoje são puro deserto:
nesse mundo
existem mais de
seis
mil línguas
quantas delas
já morreram e
quantas
possibilidades de
mundo se perderam
com elas
em silêncio
como agora
que sinto
que dentro
de mim
tudo é
ilha
e em você
também
Pensando nesses espaços, Lugar comum, de Mariana Paim, sustenta um coral de cifras atravessadas pela ausência e por uma beleza longa e delicada, especialmente erótica, de capturar palavras em pleno voo, de sondar o indizível e de pensar no isolamento que nos impõe o instransponível(?) e um novo e confuso imediato:
só tua
voz na tela
arranhando o vermelho
Nesses lugares, a poeta também trabalha a reinvenção de distâncias, rememorações, perdas, perpetrações tecnológicas e o próprio ofício de alinhavar palavras. Mas, como atesta o título do volume, é o lugar partilhado, e do amor, sob nuances em trânsito, perto-longe, que impera, reinando-conversando sobre todas as outras, relevantes, pontuações, conferindo a tônica do livro e trespassando o olhar da leitura.
Tenho uma noite à minha espera
e nenhum mudo convite
só
à espera
Espera que
em minha cama [nem branca ou limpa]
teu corpo possa
amanhecer
manhãs
No livro aqui tateado, seja nas formas breves, seja em textos mais longos, seja, ainda, em feições que dançam sobre a página, ou por meio das googlagens, há uma voz poética firme e consciente de suas trilhas, que passeia por uma lira cotidiana e por fissuras tênues do corpo, cortinas de silêncio, montando um conjunto de poemas que nos tocam e pedem perene passagem, como um mar, cujas águas sempre molham de encanto nossos pés.
Clarissa Macedo