O pulo da ponte
Na noite de 27 de abril de 1932 o poeta Hart Crane se atirou do navio que o trazia a Nova Iorque, no golfo do México pondo fim à vida e às expectativas de substancial parte da poesia modernista norteamericana. Das vozes mais emblemáticas de sua geração, o suicida foi tema de pungente elegia do poeta Vinicius de Moraes, amante da vida que se confessava um homem triste. O que de comum buscar entre o boêmio Vinicius de mil amores e o jovem poeta deprimido que não essa tristeza, esse buraco na alma que se supre com álcool, com poesia ou se atirando no mar? Por toda a paleta dos desejos sexuais, dos gostos literários, dos estilos de vida, perpassa de comum aos poetas do mundo esse sentir capaz de levar tanto a píncaro quanto a abismo.
A poesia de João Victtor Gomes Varjão é piercing, é tatuagem, é navalha na carne, é pular de pontes, talvez da ponte que separa Juazeiro e Petrolina, lócus deste livro, ponte de ciúme e dor. Conheci o trabalho do jovem poeta em São Paulo, fui desde o início um de seus entusiastas, razão da imerecida honra de escrever estas linhas de apresentação, e parto desta jurisprudência literária, da fascinação do velho fauno Vinicius pelo jovem Crane suicida, com a mesma fascinação de quem leu atento nos Suicídios Exemplares de Enrique Vila-Matas a compulsão por pular da Torre Eiffel, como se pode pular de uma Ponte (The Bridge), talvez a ponte que separa Juazeiro de Petrolina ou pular do convés de um navio no golfo, enfim, saltar no escuro para saber o que diz a poesia. É a lição que a dor ensina, abençoado é o poeta que a sente, tantos indivíduos passam pela vida anestesiados e apenas sobrevivem.
Seja no estranhamento de um mundo que pratica o bullying contra os diferentes, seja no se estar indefeso à estupidez e à grosseria que nestes tempos parecem ter virado distinção e são ostentadas sem pudor, seja no lirismo trágico que encerra, a poesia de João é um libelo contra a inércia, o grito de vida às avessas de um homem solitário, tão jovem e tão solitário, como todos nós. Somos tão jovens, e já condenados à marginalidade, à morte, à insensibilidade e a todo o coquetel Brasil-liberal.
Não sei se o poeta usou a metáfora do cetáceo gigante por alusão ao jogo suicida que seduziu gerações de adolescentes, para desespero de pais puritanos, mas a imagem de um homem solitário vagando na noite abismal como sacrifício pessoal por um mundo antipoético é o que me fica desta leitura tão impactante.
Manoel Herzog