_sobre este livro
Exibindo suas feridas, Gabriel Mação estreia com a seleta de poemas Sutura.
Bicha Imoral
Que escuta os murmúrios
As piadas, os insultos
Que envergonha os pais
E recebe gratuitamente facadas
Banhadas em cuspe e palavras
De ódio
A dor e a resistência de sua própria existência são matéria-prima para sua poética. Enxergo a dicção do jovem poeta circunscrita no tempo em diálogo com Falo (1976), de Paulo Augusto, um dos primeiros livros de poesia homoerótica da literatura brasileira.
Com grito ou expurgo, Mação faz de seus versos um ato político. Uma leitura possível está na atenção ao tratamento identitário e político de gênero e das sexualidades. Não que os versos tenham um propósito ativista, mas o motivo de sua escrita se apresenta diante da perplexidade com sua própria condição.
Eu, que morro a cada 25 horas
E morro quando esse poema termina
Ou quando ele começa
Morro
Morro
E vivo
Vivo como se fosse o último dia.
Entre falas e sussurros:
Gritamos ainda mais alto
Que homens também se amam
E transam
E sangram
E ainda sobrevivemos
E os que virão
Também irão sobreviver
E iremos gozar em nossas camas
Com homens e homens e homens…
A reivindicação do corpo político, que escreve sua trajetória tendo como premissa a liberdade.
Esses corpos ocupam os espaços de uma cidade partida pela violência, a periferia do Rio de Janeiro: Marechal, Avenida Brasil, Maré… Uma geografia feita de pedras, ossos e carnes. Corpos atravessados por passarelas, viadutos, morros e ruas.
Há corpos pela cidade
Corpos carregados em sacolas plásticas
Carregados em ônibus lotados
Em ruas enferrujadas
O poeta costura as vísceras de uma cidade adoecida com pedaços de amores efêmeros, perdidos. A morte passeia com seu cheiro de carne putrefata entre os corpos que buscam prazer. Um misto de suor, sangue e sêmen. Aqui, o amor é gozo, volúpia, capaz de estancar a dor dos dias mais tristes — uma espécie de sutura, invisível aos olhos dos mais distraídos.
Costurando a carne rasgada no arame farpado, Gabriel Mação escreve uma cartografia da exclusão, registrada em versos, sem perder de vista o prazer de estar vivo, em resistência. O seu corpo — seus versos — é a sua cidade em ruínas e o seu templo de oração.
Ramon Nunes Mello