_sobre este livro
Um poema pode nascer do fortuito: espanto, vertigem, a fratura que se instala, provocada por uma mínima alteração na densidade dos ventos, o pálido sentido que resgatamos do absurdo, aquilo que se vislumbrou – ou que se ocultou – no instante de sua criação.
E há poetas que colecionam poemas assim, um após o outro, até que a unidade do pensamento corresponda a um fato biográfico: o registro de uma idade, de uma crise, de um ponto de transcendência, de um sangramento que não pode ser estancado – se não o primeiro morto, aquele que carrega um significado que o ultrapassa. Vários mortos habitando um único corpo. Vários e tortos renascimentos.
Eis aqui o maior sentido e virtude de “Eu não consigo parar de morrer”, de Camila Assad. Trata-se de um livro enquanto percurso, ou melhor, enquanto parte de um percurso. Logo, trata-se de um livro atravessado por um tempo que chega sem revelar o seu sentido, mas que aqui está, manifestando-se nas notícias dos jornais, na realidade física do corpo, no imponderável da memória, na sua condição de mulher, no confronto com um contexto que nunca é dado por inteiro, mas que provoca reações extremas: o horror, a perplexidade, a ironia.
Neste sentido, “Eu Não Consigo Parar de Morrer” é um livro pleno de contemporaneidade, pois revela algo da meia sombra em que – hoje – todos nos encontramos. Não é a idade da razão, tampouco da desrazão, mas algo intermediário: uma idade da orfandade, e aqui temos Camila Assad: poeta órfã.
Daniel Francoy