Língua do P

Disponibilidade: Brasil

o sol é uma estrela em combustão
que morrerá numa certa noite
quando não mais for capaz de queimar
qualquer córnea de qualquer animal
que volte a cabeça
pra cima
o ponto dentro da curva é
atingido quando na próxima esquina
se vira à esquerda da décima sexta constelação
continuando pela avenida principal se chega
onde eu moro
aqui cada um tem um sol para si
dentro do peito há quem tenha um sol em si
hoje finalmente não temos partida bueiro adentro
na américa do sul

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_sobre este livro

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O jogo de linguagem que nomeia o livro de estreia de Roberta Freire irradia sentido para muitos lados, para além de servir como definição dessa poesia ou convite ao segredo contado em quase outra língua. É que a consoante “p”, que organiza o jogo de deformação das palavras, é pronunciada como um antibeijo, um beijo que, em vez de sugar o ar atritando-o entre os lábios, sopra-o numa breve pancada depois de mantê-los, os lábios, colados. O ruído dessa consoante atrapalhando a decifração das palavras aproxima-se, então, estranhamente do toque, do beijo, do encontro.

É na contradição entre o que se fala e o que não se entende, o que se mostra, mas não retorna – o segredo já conhecido –, que os poemas de Roberta Freire se escrevem. O texto elabora a diferença, depois dos encontros, das relações, da caminhada, oferecendo frase e vocabulário ao que parece lateral, latente, mesmo perigoso a um mundo estranho: a feminilidade, o erotismo, a escuta. Por isso, a insistência em saber quem, entender o que faz, perguntar-se por que odeio. Desconfio dessa usina mais aparente dos poemas de Língua do p: “o que faz alguém / tão tarde / segurando delírios / tão perto / de cães?”. Desconfio, para conseguir ler tudo o que for ambíguo, falha, errância, para ficar no analfabetismo do “p”, em vez de cair no jogo da decifração.

Como o casal que aprecia a arquitetura por não saber para onde ir, como a mocinha sozinha na noite que prefere a violência dos corvos, como um corpo cujo centro – o umbigo – é uma cicatriz, em vários momentos, os poemas de Roberta Freire escapam do cálculo da leitura e dizem o que não parecem dizer. A imagem prevista não se cumpre, e a outra imagem produzida espanta a leitura e altera a matéria da poesia, o emaranhado de palavra e memória.

A voz desses poemas vive da espiral entre a casa e a rua, o subúrbio e o centro da cidade, a família e os amores, e o resultado é o de um sujeito em expansão, por isso instável: “fui devorada / pelo misticismo de um dia de sol” ou “minha bandeira é tua saia, isabel”. As marcas de identidade, efeitos do poema. Por isso, nesse lançar-se, em estreia, ao espaço público, os poemas de Roberta engendram a subjetivação de uma voz na língua do “p” politizada.

Luiz Guilherme Barbosa

 

_outras informações

isbn: 978-85-7105-118-8
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 14 x 19,5
páginas: 66
papel: pólen 90 gramas
ano de edição: 2019
edição: 1ª

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