_sobre este livro
Ter o mar como um parente, um ente querido. Uma instância que habita dentro — e fora. Quem é neta de marinheiro tem, pelo menos, uma barbatanaziña de sereia, pode apostar — parece nos revelar Janaús em seu livro de estreia. Sabemos que aportar no amor nunca será uma tarefa serena nem para a marinheira e muito menos para a sereia. A âncora traz a memória da terra, daquilo que é seco. Do que oferece resistência.
Atlântida, de Janaú, nos dá notícias de uma espécie de enamoramento não apenas pelo líquido em si, mas de um procedimento amoroso atravessado pelo fluxo em si mesmo, por sua vez conduzido também pelo líquido, por essa instância mítica da água que desemboca, em um prodígio espaço-temporal, em paragens múltiplas, desde o México a Atafona, passando subterraneamente pela cidade submersa de Atlântida — aqui tão real quanto eu e você.
Cerca de 75% do peso de um músculo é composto de água. O sangue contém 95% de água. O corpo de uma mulher adulta é composto de aproximadamente 60% de água. Se um corpo, em sua composição, é vastamente preenchido de água, não é de se espantar que a “saliva no canto do […] olho direito [dance] mais do que os recifes de coral”. Que os menores acidentes de asas e pernas produzam maremotos em algum lugar.
Em seu poemário, Janaú conecta as várias instâncias líquidas num mapa aquaviário secreto: os seus próprios afluentes e lençóis freáticos pessoais, o nascimento do rio que desemboca no mar, o arquipélago, a separação entre continente e oceano.
Em versos como “[a] abelha naufragada no meu café sofre mais do que nós duas”, há um registro dessas pequenas catástrofes cotidianas, um soçobrar quase desapercebido que a autora não deixa passar. É com esta disposição de espírito corajosa que Janaú nos conduz, marinheira hábil que é, à beleza de seu próprio naufrágio, com o qual nos despedimos do livro, ainda meio trôpegos, ajustando-nos à terra firme novamente. Sem olhar para trás.
Rita Isadora Pessoa