_sobre este livro
(…) “Meu velho Walt, meu grande Camarada, evoé!
Pertenço à tua orgia báquica
de sensações-em-liberdade,
Sou dos teus, desde a sensação
dos meus pés até à náusea em meus sonhos,
Sou dos teus, olha pra mim,
de aí desde Deus vês-me ao contrário:
De dentro para fora…
Meu corpo é o que adivinhas, vês a minha alma
Essa vês tu propriamente
e através dos olhos dela o meu corpo —
Olha pra mim: tu sabes que eu,
Álvaro de Campos, engenheiro,
Poeta sensacionista,
Não sou teu discípulo,
não sou teu amigo, não sou teu cantor,
Tu sabes que eu sou Tu
e estás contente com isso!
Nunca posso ler os teus versos a fio…
Há ali sentir de mais…
Atravesso os teus versos
como a uma multidão aos encontrões a mim,
E cheira-me a suor, a óleos,
a actividade humana e mecânica
Nos teus versos,
a certa altura não sei se leio ou se vivo,
Não sei se o meu lugar real é no mundo
ou nos teus versos,
Não sei se estou aqui,
de pé sobre a terra natural,
Ou de cabeça p’ra baixo,
pendurado numa espécie de estabelecimento,
No tecto natural da tua inspiração de tropel,
No centro do tecto
da tua intensidade inacessível.
Abram-me todas as portas!
Por força que hei-de passar!
Minha senha? Walt Whitman!
Mas não dou senha nenhuma… [edição bilíngue]
Passo sem explicações…
Se for preciso meto dentro as portas…
Sim — eu franzino e civilizado,
meto dentro as portas,
Porque neste momento
não sou franzino nem civilizado,
Sou EU,
um universo pensante de carne e osso,
querendo passar,
E que há-de passar por força,
porque quando quero passar sou Deus!
Tirem esse lixo da minha frente!
Metam-me em gavetas essas emoções!
Daqui p’ra fora, políticos, literatos,
Comerciantes pacatos,
polícia, meretrizes, souteneurs,
Tudo isso é a letra que mata,
não o espírito que dá a vida.
O espírito que dá a vida
neste momento sou EU!
Que nenhum filho da puta
se me atravesse no caminho!
O meu caminho é pelo infinito
fora até chegar ao fim!” (…)
Álvaro de Campos
(trecho do poema Saudação a Walt Whitman)