Alguns mundos

Disponibilidade: Brasil

É preciso
desfiar os dias
como figos na boca
enquanto o sol aperta
disparam gatilhos
contra a pele negra
no mesmo instante
tudo arde

R$45,00

_sobre este livro

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Onde ancorar hoje uma poesia ‘segura’ que não esteja em crise, que não refaça sistematicamente seus pontos de apoio e sustentação? Alguns mundos – livro de poesia de Virgínia Mota, parece partir deste lugar, ao assumir-se como objeto experimental em atmosfera de interrogação e abertura a múltiplos sentidos.

Contribui para isso o efeito produzido por uma voz lírica de tom impessoal que, mesmo quando interiorizada, retira desse processo não tanto uma marca individual, mas antes um apelo ao comum, à comunidade: e eu/eu não veio/eu não chegou/para dizer/eu é coisa/precisamente/eu é / nós/ assim/alvorada fora.

Refazendo um dos gestos fundadores da poesia moderna, (eu é / nós), o poema retorna aqui como não-coincidência entre o eu que escreve e aquele reconfigurado pela escrita. Sob a presença tutelar de Adília Lopes, todavia, este gesto refaz-se como negação autotélica e reinvenção de itinerários: “tão importante é lembrar quanto esquecer”.

É possível pressentir, na convocação desta poeta, uma proximidade com o procedimento poético que lhe é mais caro: a desconstrução. Como em Adília, a poesia de Virgínia percorre referências da cultura para as fazer ressurgir modificadas numa operação de montagem-desmontagem que recusa posições fixas e canônicas: “Chá preto e/bolachas de água e sal/fazem lembrar Marcel Proust”.

Inclui-se nesta operação um olhar sobre o humano, renovado por poemas em que a presença da animalidade parece propor certa transmutação. “Agora/eu era/um hipopótamo/um rio de hipopótamos”; “queria eu olhos de lebre / ver de repente/aves de rapina/ fugir do lince / ir espreguiçar”. Deste desejo de recuperação de um corpo-vivo aberto a movimentos e percepções, resulta este olhar poético nômade e ambulante, de sentidos expandidos para fora.

O que é possível depreender da leitura do conjunto destes poemas? Que eles não formam um conjunto exatamente, nem têm a pretensão de constituir uma totalidade. Não há motivos poéticos. Poetar é operação de linguagem, contornar objetos ou inventá-los, deter-se no limite do excesso das palavras. Poesia é o que se abre à imaginação e recusa o imperativo do real concreto. É preciso saber ler, não esperar pela morte ou vida dos poetas, quem lê ou não lê poesia somos nós.

Madalena Vaz Pinto

_outras informações

isbn: 978-85-7105-129-4
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 14 x 19,5
páginas: 66
papel: pólen 90 gramas
ano de edição: 2019
edição: 1ª

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