Mergulhar neste livro implica adentrar a vida de uma criança que sofre violência doméstica nas mãos do pai, embora ambos compartilhem do mesmo trauma. Pai e filho têm suas infâncias maculadas pelas frustrações, temores e crueldade paternos, porém cada um encontra uma saída diferente para o mesmo problema.
Sem é o relato fragmentado de uma família de seis pessoas que durante dezessete anos conviveram com o silêncio, a instabilidade e os lapsos de violência de um homem adoentado por não saber — ou não querer — lidar com as mágoas e feridas do próprio passado.
Diante da violência, do convívio instável e da pobreza, o filho descobre seu refúgio nos livros e no reino imaginário do qual toda criança é rei e rainha.
O livro intercala cenas de completo absurdo com momentos breves e espontâneos de graça, nos quais o riso é possível para o filho e os irmãos diante do Colosso paterno. O autor ressalta e aprofunda o significado da narrativa ao torná-la plural por meio do “nós”. Esse plural que resume e retrata aquilo que foi testemunhado pelos quatro irmãos, ainda que cada um deles tenha agido e reagido à sua maneira diante do contraditório paterno.
Sem carrega ainda a sutileza dos vilões amados. Esses personagens que nos provocam, despertam nossa ira, mas que terminam por suscitar a nossa compaixão, empatia e lamento, diante de figuras frágeis e em agonia, como a do pai dessa história.
A história revela a desproporção, o desprovimento e o lugar onde o afeto e a segurança são de difícil encontro. Sem é esse não ter tendo, assim como seu título. Ele principia e encerra, ainda, pela ausência imposta pelo luto que, diante do inferno que um lar pode se tornar, foi a única fuga possível para essa família, como tantas outras, ontem e hoje, na luta pela sobrevivência.