Rafael falhou. No poema ‘Palavras mortas’, diz-nos que não logrou êxito enquanto jornalista, editor, resenhista de cultura, ou narrador. Entre o que sonhava e o que restou da realidade, percebe concentrar-se na linguagem — ainda que na contramão de uma estéril lógica contemporânea — as acepções dos sentidos poéticos, ainda possíveis, ainda um refúgio contra a fuligem do mundo.
Que a poesia brote da falha e da pós-consciência comunicativa que resta à palavra, eis um promissor indício para o que cabe nestas Débeis brumas, um livro onde habita o que ainda é possível para o dizer, sempre o ainda, esse lugar por excelência de um poema.
Tendo os pés como termômetros para escalar a evanescência das nuvens, Rafael Dias, nesta seleta — com 15 textos ao todo, incluindo o poema-título selecionado em uma coletânea de São Paulo e os demais inéditos — pergunta-se sobre o informe, o vago, o transitório e o fugidio, tanto de coisas e seres viventes quanto de sentimentos e lembranças. Além disso, a bruma, a névoa, o nevoeiro, enfim, tudo o que se dissipa em seu vórtice ancestral, parece ter decaído: tornou-se poeira — estão débeis, debilitadas, fracas, tênues e, por fim, breves. Unindo filosofia, poesia e mitologia, aqui os versos perscrutam os sons, as imagens, o nous e as cores que rondam tais entidades.
Para não cair no crime de nomear e não correr o risco de enlouquecer, Rafael opera aqui uma ascendência de temporalidades (geográficas, ideológicas, mnemônicas), permitindo, por meio da expressão poética, um encontro de vozes que transcende os contornos materiais daquilo que podemos ver e lembrar. Em suas vogais, as formas fixas se dissolvem, para nos recordar que, enquanto vivermos, estamos suscetíveis a toda possibilidade de falha. Sorte. Destino. Pois, quando um poema nos revela a falha, todo um universo se acerta. Falhemos, então, todas as falências de Rafael.
Fernando de Mendonça