Flor do Vento confronta diretamente algo que me parece ser uma das tarefas milenares da poesia: processar um luto; retirar, do fim, um início. Morre alguma coisa, outras ganham vida, Luisa me conta. Acho que todos nós já experimentamos o que isso significa: entre o morrer e o nascer das coisas, há algo de sinuoso e desviante, que alonga o tempo da experiência. E dói. E é devagar. Sim, mas o que acontece, então, quando o morrer de algo, como um amor, e o nascer de outro se sobrepõem? Devagar também é pressa, Luisa responde.
Os quarenta poemas que compõem este livro são estruturados sob esse duplo signo: um tempo que corre e escorre entre os dedos, e um tempo suspenso. E, nessa dinâmica, quantos fins e inícios podem ser comportados?
Luisa se propõe, como uma espécie de arqueóloga, a escavar a superfície das coisas em busca constante dos términos e recomeços. E ela encontra-os, bem escondidos, sob tatuagens, sobre pintas, em constelações, dentro de canecas de café, atravessando blocos de Carnaval. É no momento desse encontro que o tempo se suspende. Só que, imediatamente depois do encontro, o tempo acelera, e algo, novamente, se perde. Então ela retoma a busca, repete o mesmo movimento. E repete. E repete. Até que, como diz a epígrafe que abre este livro, tudo fique diferente.
Alguém poderia, portanto, dizer que este é um livro sobre a busca pelo amor em amores perdidos, amores descobertos, amores breves, amores de outras vidas, amores pra vida inteira. E talvez seja. Mas, para mim, há algo bem maior que isso. Flor do Vento é sobre coragem.
Atravessar esse percurso ao lado da autora é pegar emprestado dela essa coragem. E é necessária muita coragem para fazer a operação que estes poemas fazem: dar vida à morte; crer de forma indelével na sobrevivência do amor, ainda que sob a sombra da perda; descobrir que o fim é sempre um não e, ainda assim, retirar desse não tantas possibilidades de sim. E só com a coragem que este livro te ensina que se torna possível ir em busca de tanta coisa; que se torna possível vasculhar mapas incoerentes, até encontrar um sítio onde fim e início se anulam e onde, enfim, se torna possível que algo viva para sempre.
Beatriz Malcher