TIBETE NAS VEIAS
O poeta Tenzin Tsundue é de um lugar onde nunca esteve: o Tibete. Nasceu na Índia e cresceu ouvindo: “você não é daqui!”. Desde cedo, sentiu que a escrita seria sua forma de resistir e de sobreviver ao não pertencimento, seria a maneira mais eficaz de afirmar que seu lugar no mundo existe e que precisa ser reconhecido.
É a partir desse posicionamento diante do mundo que Tsundue traz a lume Kora, um livro de poemas e relatos que perpassa seu sentimento de filho de expatriados. Kora, em tibetano, significa circum-ambulação, ou seja, prática ritualística em torno de locais e objetos sagrados do Tibete. E essa prática comparece e transparece em todo o livro, como instinto de preservação desses lugares e de seus artefatos místicos. Kora, o livro, é também assentamento da oralidade, ou seja, o entrelugar que registra a memória, e que clama por um Tibete livre.
Kora foi lançado em 2002, e é o livro que, nas palavras do autor, “parece ter capturado a imaginação dos leitores. Inspirou filmes, peças de teatro, histórias em quadrinhos, e alguns dos conteúdos estão sendo ensinados em universidades na Índia e no exterior”. Foi traduzido para 15 idiomas e se tornou um best-seller da poesia.
Sim, Tsundue é um ativista inconteste, e não há como separar sua escritura da sua luta pela liberdade do lugar que pulsa em suas veias, e que permeia seu imaginário; mais que isso, que confere sentido à sua existência. Porque tudo está amalgamado e é o leit-motiv da sua vida, que é o mesmo que dizer, da sua obra — que busca despertar consciências e juntar forças para que a geografia da sua pátria seja reconhecida perante as outras nações.
Agora, é fazer uma jornada pelas páginas de Kora, subir os andaimes de cada poema, as torres de cada história e, do ponto mais alto, ver Tenzin Tsundue estender o estandarte da liberdade e lutar para que seu povo possa “voltar para casa de novo”.
José Inácio Vieira de Melo
Pedra Só, Chapada Diamantina,
Bahia, maio de 2024