Satanás Lilás. Eu vi uma pintura e li um livro de poemas com esse título. O autor é Diego Garcez, um poeta e pintor brasileiro, radicado em Lisboa. O satan é popularmente mais conhecido como diabo, que, segundo o Dicionário Etimológico: no latim diabolus, significa “entidade intrigante”, “acusador” ou “aquele que engana”. Já lilás, a origem é a cor, do árabe lilak, do persa nilak, “azulado”, de nil, “azul índigo”… Pois bem. Este livro é uma “entidade intrigante”, um ser “acusador”, “aquele que engana”. O poeta escolheu a cor lilás para, exatamente, confundir quem o lê: lilás é uma cor não primária, similar ao violeta, uma nuance mais clara do roxo, a partir da junção do azul com o vermelho, assim como o texto: à medida que fui lendo, percebi que o narrador são vários, com múltiplas narrativas. Elas, como o diabo lilás, mudavam de matizes: lilás claro, brilhante, vívido, e o lilás francês. É um texto camaleônico. Esse jogo blefador de xadrez entre narrativas e narradores, deus, diabo e o poeta, ele deixa claro em dois poemas (lembro o filme do cineasta sueco Ingmar Bergman, O Sétimo Selo, 1957, no qual o protagonista, ao receber a visita da morte, desafia-a a uma partida de xadrez, para ganhar tempo).
Aqui, alguns fragmentos deles:
dê-me meu lanche
com guaraná
que prometo
sentar-me quieto
permanecer quieto
mover-me quieto
fingir que não planejo explodir o mundo
todos os dias pela manhã
…
ontem
escrevi o melhor poema da minha vida
rasguei
peguei os pedaços dos papéis
coloquei embaixo da torneira
esfreguei com as mãos
para que nada mais restasse
além da palavra
à sua frente
…
não terminei a pintura
não fechei o verão
não concluí
este poema
Não terminou a pintura nem o poema, porque o livro e as ilustrações contidas nele não estão prontos. Continuarão sendo reescritos e repintadas, até quando os jogos entres esses personagens, lilasmente falando, existirem. Ou seja, ad infinitum…
Wilson Freire