A sociedade cria suas fábulas, ficcionais, inventa histórias, conflitos, mundos inteiros. O ponto de partida para o direito à literatura, segundo Antonio Candido (1918-2017), é a necessidade universal experimentada em todas as sociedades, das primitivas às mais avançadas. Na necessidade do homem de fabular. Assim, os contos presentes nos Crânios de Júpiter, prosa de Rob Ashtoffen, assumem um complemento da vida. O imaginário de uma cidade, de um bairro, de um planeta. De crânios com desejos. Um universo, de urbano e rural, repleto de jeitos e gestos, de linguagem, de misticismo, superstição, de semântica, sintática e sentido. Nos textos é ainda possível “gravar num disco voador” e lançar no espaço sideral, mas um tanto diferente da canção de Caetano Veloso, eternizada na voz de Gal Costa, a obra de Ashtoffen é um objeto identificado: literatura. Real e imagética. Fincada no seu tempo e espaço. Um mundo, muitas vezes, absurdo e misterioso.
Tais mundos podem ter pontes, prédios, estantes de memórias e carnes com jeito de animal e de gente. Em Crânios de Júpiter é assim. E também são criadas por cabeças, transformadas em personagens, que no futuro serão crânios, que é uma espécie de caixa preta óssea, protetora do encéfalo e morada dos órgãos da sensibilidade: visão, audição, olfato e a gustação [itens], para além dos vasos e nervos. Júpiter, o planeta, é observável a olho nu da terra, como é a nossa imaginação. Nesse sentido, deslocando a prosa em seu próprio eixo, poderia estar presente na obra de Rob Ashtoffen, como narrador, o singular Galileu Galilei, que, no início do século xvii, viu satélites naturais nunca antes possíveis. E perplexo, inclinou o dorso em seu telescópio e contou vinte e dois ossos, que caberiam nos corpos de conterrâneos, fornecendo passagens ao ar, oxigenando melodias, passos, imagens, movimentos, o paladar e a líbido. Deliciosos estados da alma. Geradores de impulsos [nervosos].