Em seu ensaio “Contra a interpretação”, originalmente publicado em 1964, Susan Sontag nos incita a “recuperar nossos sentidos” e a “aprender a ver mais, a ouvir mais, a sentir mais”, de modo a “tornar as obras de arte – e, por analogia, nossa própria experiência – mais, e não menos, reais para nós”.
Nada alheios a tais premissas, surgem-nos estes poemas deixados por Juliana Otoni, que se agarram a seus leitores por um “pacto/ sem palavras” de cumplicidade, aquele das experiências que, por serem tão humanas, em alguma medida podemos partilhar, como as do amor e da separação, da memória e do esquecimento, do silêncio e da espera, da maternidade e do ser mulher, do corpo, da casa e da cidade – e as da própria palavra poética.
Dividido em duas partes cujos títulos – “Para ler amanhã” e “Escrever para lembrar” – como que cartografam os caminhos de nossos sentidos ao longo da obra (sentido, aqui, como sinônimo de sensação e de direção), Poemas deixados canta, sobretudo, o tempo amplo do Amor, cujas setas podem ter como alvo o passado – as memórias, as marcas – ou o futuro – o desejo, o amor-vontade –, sendo o presente, o cotidiano, o lugar privilegiado de uma escrita-vivência onde “as palavras param” (e pairam, diria) “pra gente passar”.
Assim, se como afirma Paul Auster em seu ensaio “O livro da memória” (1980-1981), de A invenção da solidão, “a história da memória é uma história da visão” e “no momento em que adentramos o espaço da memória, entramos no mundo”, Juliana Otoni, esta “poeta [que] existe/ quando ninguém vê”, com seus Poemas deixados, coloca-nos diante do mesmo trampantojo “do qual nasce o amor” (este compatriota da dúvida, como ela mesma escreve), para, ao mesmo tempo, nos revelar e fazer adentrar o mundo complexo e belo de uma poesia que “fica como se sempre/ tivesse estado”.
Fred Spada