“se estiverem ainda cruas nossas distâncias/coma mesmo assim”. o hematoma da página em branco, qual o limite do teu risco?
em brechas, Biá Torres opera a linguagem com gestos sutis e afáveis, alimenta a ferocidade pela urgência do Aberto, maneja os silêncios em notas de rodapé, dilata ranhuras cotidianas com maravilhamento e espanto em igual medida, movimenta-se enquanto artesã da palavra a partir de um adensamento consciente e progressivo de sua percepção. nota-se a voz poética e a poeta alternarem o mesmo corpo-palavra, fundam juntas um código, “eu jamais poderia escrever/um poema em outra língua/pois a língua que me foi dada é/incontestavelmente/a de minha poesia”, a peleja inesgotável da primeira vez do primeiro verso, a ânsia por bordas, gargantas, fendas e saídas de emergência: “o poema sempre sonha”.
ao criar campos de atração e repulsão — estratégia amável, portanto fatal —, Biá coagula ritos desejantes: a escrita poética, a nudez, o silêncio, o sexo, entre outros. a poeta ama desesperadamente a palavra, o verso, a angústia libidinosa da página em branco. o medo medular do despalavramento flerta com o ingênuo, esmiuça os automatismos cotidianos com respiros brincantes.
este é um livro de delicadezas escandalosas. “somente um orgasmo poderá nos salvar”. e, se continuamos a ler e a escrever poesia ao longo do tempo, talvez seja pelos poderes específicos — e magísticos — da própria poesia, nesse caso, o espanto tangível de um poema nos colocar desnudos diante de nós, “apesar de, apesar de e apesar de: encontrar brechas”.
gabriele rosa