Após mais de dez anos de seu lançamento, a republicação — e a remixagem — de Conversa com leões celebra a trajetória de um dos escritores mais prolíficos de sua geração, enveredada com igual ímpeto na poesia e na prosa de ficção, na melhor tradição bolañesca. Este volume de contos que marcou a estreia, em 2012, de Leonardo Marona na prosa, que já então contava com dois livros de poemas publicados, se reapresenta agora em versão remix: muitos cortes e três contos escritos ao longo da década incluídos.
Enquanto livro de estreia na narrativa e revisitado na perspectiva de um percurso que já soma mais de dez livros publicados, deparamos, nestas conversas, com a vertiginosa viagem iniciática do escritor. São conversas com uma tradição visionária, romântica, boêmia e rebelde, mas também conversas com o imaginário das grandes metrópoles brasileiras, seus afluentes de miséria humana e insuspeitada beleza, desaguando em bares, sarjetas e covis solitários.
Nestes contos, somos frequentemente solicitados por uma voz e um olhar dos quais não podemos mais desviar, como o de alguém que nos segura firme sobre o cotovelo e, com uma mirada angustiada, mas também solene, nos pede a bebida que não negaremos e se prepara para confessar um crime. É talvez nas narrativas em primeira pessoa nas quais seja mais evidente a capacidade do autor de criar uma linguagem poética específica para essas vozes em situações insólitas ou desesperadas. Um tom específico para cada visão e cada loucura.
Assim, o melhor da poesia de Marona fulgura também em sua narrativa, numa liberdade imaginativa diferente da dos poemas. O leitor de ouvido sensível destacará com frequência frases de uma pungência familiar a dos versos, mas que derivam para outros registros, descobrindo um frasista notável.
Além da aventura de iniciação e da polifonia poética, Conversa com leões também nos traz um testemunho, numa talvez insuspeitada potência de arquivo. A abordagem da desilusão e frenesi urbanos passa, nos contos, por algumas capitais brasileiras e nos traz a inevitável sensação de que isto poderia acontecer em qualquer grande cidade. E, no entanto, não em qualquer época. São os estranhos anos 2000 que dali nos encaram, com sua loucura e desesperada beleza. A última melancolia ainda livre do domínio de redes e dispositivos, cada vez mais singular à medida que nos distanciamos, rápidos, como quem lança um último olhar a um rosto curioso numa estação enquanto o metrô arranca. Imagens que, sem a literatura, permanecem apenas fantasmas entrevistos em lampejos fugazes e em seguida esquecidos.
Aderaldo Souza