HISTÓRIAS PARA LER NA PRIVADA
Em seu romance A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera descreve o kitsch (a anti-arte) como “a negação absoluta da merda”. Em A Poeta & Outros Eus, João Alexandre faz a negação absoluta do kitsch.
Escatologia, vícios, impulsos sexuais e o desprezo pelas banalidades humanas são alguns dos temas presentes nos sete contos — todos narrados em primeira pessoa e com a cidade de Curitiba como palco — que compõem este livro.
No primeiro conto, Algum Boteco do Largo, encontramos o narrador-personagem Pedro Paulo destilando uma crítica raivosa ao que consideramos como poesia contemporânea e que funciona como uma introdução do que o leitor não irá encontrar nas páginas deste livro. Este mesmo personagem retorna no último conto, A Poeta, e traz as mesmas reflexões do começo, mas desta vez a crítica é mais pontual e crua, tratando sobretudo de um poeta à procura do próprio lirismo.
Em Ministério da Saúde, o autor faz um (infelizmente nada caricato) retrato de um típico “cidadão de bem” curitibano. A conclusão nos permite lembrar que, na verdade, esses ditos “cidadãos” não passam de uma piada.
Já em Carolzinha nos deparamos com um típico relato de traquinagens infantis, mas que tem como pano de fundo uma época em que as mídias analógicas (principalmente as publicações impressas) determinavam o consumo cultural.
A prosa em primeira pessoa é muito bem explorada no conto Química, onde a hipocrisia machista do narrador é confessada somente ao leitor, mas cirurgicamente omitida das ações que ele toma para com o seu interesse romântico — romântico não, apenas carnal. Algo semelhante acontece em A Cabo, que mostra um constrangedor diálogo entre um coveiro maconheiro e uma policial militar sobre as consequências da morte.
Cabe destacar aqui também a narrativa misteriosa e sobrenatural de O Retrato de João Gilberto, em que aquilo que a princípio parecia ser um deboche termina como uma ode à vida e ao legado da magia que foi a obra do “pai da bossa-nova, do inventor do violão…”
A linguagem de baixo calão e 100% politicamente incorreta é diluída em uma prosa direta e cínica, mas dotada de um ritmo tão frenético e envolvente quanto o de um baterista de jazz. Ao se deparar com a primeira frase deste livro, o leitor só conseguirá terminar quando chegar ao ponto final do último conto.
A Poeta & Outros Eus é a negação absoluta do kitsch e, só por isso, já seria argumento suficiente para manter um exemplar na sua biblioteca ou, como o próprio autor sugere, ao lado da sua privada.
J.J. Jaime, jornalista