Uma fresta de porta que faz desaparecer tudo que passa através dela. Uma bomba d’água que se revela uma engenhoca cujo funcionamento ninguém compreende e que, para repará-la, é necessário um objeto igualmente misterioso que pode muito bem servir de enfeite vendido no antiquário. Um espelho que, como um relógio de corda, parece ter parado no tempo. Muitos são os problemas — físicos e metafísicos — que afligem o Condomínio Aquário.
E nem falamos dos moradores, um mais excêntrico que o outro, de um ex-policial paranoico que se converte em um pichador lendário, a uma suposta socialite que parece viver em um universo paralelo. Todos parecem dispostos a narrar sua história a Tareco, o novo zelador, que chegou esperando um trabalho subalterno qualquer e se deparou com um portal para o bizarro.
É acompanhando Tareco no seu esforço vão de ajudar os moradores que o leitor recebe um tour desse espaço que parece reunir toda sorte de loucura, quando não de aberrações espaço-temporais. Augusto Quenard não esconde suas influências — com referências sutis, como a presença do enigmático anfíbio axolote, por quem Julio Cortázar era obcecado —, e enxergamos a tradição do fantástico argentino que, ao normalizar o esquisito, acaba tornando-o ainda mais estranho.
Não apenas Cortázar parece assombrar as páginas. Além de uma estética reminiscente dos primeiros filmes de Jean-Pierre Jeunet, pelo prédio escutam-se ecos de Adolfo Bioy Casares e Silvina Ocampo, mas com mais leveza e um humor também contaminado pela tradição brasileira de Luis Fernando Veríssimo. Tal despojamento se reflete igualmente na estrutura do livro: não há dúvida de que estamos diante de um romance, mas, por seguirmos um zelador em busca de diferentes problemas que parecem impossíveis de resolver, Uma gambá no Aquário ganha um caráter episódico, antológico até, como assistir a um Além da imaginação latino-americano em que o sinistro dá lugar à risada.
Tudo isso para dizer que a estreia de Augusto Quenard na narrativa longa é uma brisa rioplatense deliciosa soprando na literatura brasileira, um livro sui generis, pleno de charme e frescor, nos recordando de sendas abertas, mas pouco trilhadas pela ficção atual, em uma linguagem acessível e que implora para seguirmos adiante, página a página, em busca de água e luz para aquele universo.
Antônio Xerxenesky