O Livro de Sagres

Disponibilidade: Brasil/Europa

monólitos e cromeleques quedam
serenados nos campos abertos e inúteis
onde a estrada não passa margeia e para
e na placa em madeira arruinada anuncia a flecha
NEOLÍTICO as pedras perdidas e sacras
os menires que não encontrei os
monólitos castanhos ainda abaulados como
cabeças de cães servis ou fragmentados
pelos matos baixos últimos resquícios pré-
-históricos talhados pelo homem e retrabalhados
pela erosão do tempo quais ventos quais vestes
quais chuvas quais pedaços
de caminhos estraçalhados de pergaminhos
futurísticos quais respirações passantes
e adejantes bordejaram esse planalto

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_sobre este livro

Entre Brasil e Portugal, o mar. Salino, corrente, vasto. Este livro de Elisa Andrade Buzzo traz a força arenosa, granular e sedimentada de um tempo que vem de sempre, mas que nos leva a um lugar que ainda não conhecemos. Uma Sagres como símbolo de linhagem e de alinhamento, não só com as profundezas da língua portuguesa, com a dicção portuguesa — tão íntima e tão misteriosa aos autores brasileiros — mas também com a natureza lírica da poesia.

A poeta é especialmente habilidosa nessa construção encantatória, barravento, a partir de elementos do imaginário literário português, explorando o que poderia haver para além de falésias, infantes, seixos, alcovas, relíquias, lamparinas, âncoras, espumas… E ainda muito antes, em vestígios do período neolítico, “num território reduzido ao essencial”. Uma espécie de ourivesaria sobre camadas mais fundas — ou melhor, dissecação e rearranjo das partes primordiais para que ressignifiquem na caleidoscópica poesia contemporânea.

Elisa Andrade Buzzo, que é pesquisadora, em Portugal, da literatura brasileira, posiciona-se justamente no limiar da familiaridade: como quem observa um lugar, uma cultura, uma língua que é sua sem totalmente o ser: “esse padrão de sagres aqui fincado/como os dos solos tropicais/é lembrete calado e de distantes/enfadonhos ditames coloniais”. Assim, consciente da sua sensibilidade além-mar, a poeta percorre a topografia do Algarve como quem busca por uma memória perdida, munida, em suas escavações, de ferramentas bibliográficas e afetivas intrínsecas. Deixa a intuição ancestral revelar um elo nas encostas pedregosas, nos personagens locais, nas manifestações transformadoras do presente: nas fábricas, nas velas de windsurf, nas casas neoclássicas que irrompem espontaneamente pelo terreno.

Vai anotando, com o olhar poético-científico, suas impressões sobre “relíquias vicentinas”, a Sagres mítica e simbólica que há muito já não reside somente em Portugal. A poeta revisita o imaginário colonial e arvora seus direitos sobre territórios oníricos em comum: “a paisagem não adentra antes sou eu/que me anteparo insólita no peso físico da paisagem/e vejo sem enxergar e ando sem caminhar”. Sob o ponto de vista da poesia, da vivência poética, este não poderia ser, jamais, um olhar estrangeiro.

Flávia Rocha

_outras informações

apresentação de Alva Martínez Teixeiro

isbn: 978-65-5900-574-1
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 13x16,5 cm
páginas: 90 páginas
papel polén 90g
ano de edição: 2023
edição: 1ª

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