Neste Pontas soltas tardes de neblina, de Rogério A. Tancredo, o narrador toma a memória como matéria de invenção de si e de sua linhagem familiar, porque “A memória, com o tempo, torna-se um labirinto sem saída” e é preciso espernear contra essa dura realidade. Assim, a autoficção é o meio de inventar saídas onde estas não existem.
Uma mãe amargurada e violenta, a ausência de um pai, as dificuldades financeiras no Brasil dos anos 1980. Em meio a um cenário turbulento, encontramos, por exemplo, a avó que criava histórias para manter nosso protagonista por perto. Pois, se contar histórias não redime o mundo particular de suas adversidades, no mínimo serve para nos aproximar como pessoas implicadas numa cumplicidade que extrapola os laços sanguíneos.
Mas aqui não temos apenas amarguras. Tancredo soube muito bem temperar sua narrativa com momentos em que nossos sentidos são despertados e levados, deliciosamente, de volta ao vigor da juventude. “A comida de nossa infância é insuperável” — recorda o narrador. A atração irresistível pelo corpo feminino: “Ela riu, afagou minha cabeça febril entre seus peitos”. E, claro, as delícias da literatura: “Li livros inteiros dentro dos coletivos”, para citar alguns exemplos.
Escrever, porém, não alivia nossas perdas. Não há redenção. Rogério A. Tancredo escreve seu romance com a consciência de que “o fracasso está sempre à espreita”, e o livro que você tem em mãos prova que ele conseguiu, de uma forma corajosa e poética, ludibriar a possibilidade do fracasso. Ao final, talvez o leitor possa também dizer: “Encontro-me miserável e feliz”.
Eleazar Venancio Carrias