A leitura é o exercício do encontro. Não é novidade o fato de que, ao enfrentarmos um livro, estamos diante do que a obra nos diz singularmente. As frases revelam segredos diferentes a cada leitor e leitora. Entre a escrita e a interpretação está o terreno instável, fértil e produtor de flores imprevisíveis. Os livros importantes são portas abertas a quem tem a coragem da entrega. Tiago D. Oliveira abre para nós, com a delicadeza de poeta, uma dessas entradas para aventura da vida.
O autor nos conduz, nos mínimos detalhes, à reflexão sobre formas sinuosas de nossa existência frágil, buscando o aprendizado da linguagem de nossa experiência num mundo que se apresenta muitas vezes despedaçado e outras tantas como campo onde plantamos esperanças. Chama atenção a epígrafe que abre o conjunto de contos: “Todas as coisas da vida que uma vez existiram tendem a recriar-se”. Ousando discordar de Marcel Proust e desconfiando do querido Tiago (só conhecemos um poeta em suas segundas intenções), talvez na vida não haja recriações. Tudo é sempre novidade, por mais similares que sejam as vivências. Não há recomeços. Tudo é sempre novo caminho. Encontramos nesses contos esses percursos de novas miradas, sem a ingenuidade de que sejam construções fáceis ou sempre felizes, mas com a certeza de que guardam beleza.
Os textos revelam um autor buscando por meio de sua literatura a identificação ou a criação do sentido de nossa experiência comum em meio ao aparente caos. Entretanto, Tiago não o faz impondo convicções, mas mostrando possibilidades, como um gato malabarista transitando entre objetos delicados sem quebrá-los. Apresenta formas coexistentes de estar no mundo, como metaforicamente faz nesse jogo de associações: “Pequeno mamífero que anda sobre os dedos, com garras retráteis, carnívoro e domesticado, patas curtas, cauda longa e pelo macio, caça ou afugenta ratos. Engano, lapso, erro. Provérbio. Regionalismo. Mitologia. Quantas casas pode haver em uma única palavra? Como crer em uma única verdade?”
Tiago D. Oliveira olha para o que nos machuca e para o que nos emociona. Cumpre essa tarefa com a serenidade de um bom poeta. Convoca quem o lê para a ação imperiosa de viver. Prestemos atenção na forma como o faz: “Há apenas a calma em que acolho a manhã como se tivesse vivido só para estar aqui. Entender a noite anterior, aceitar (os itinerários são a digestão)”. Que a vida permita ainda que aprendamos mandarim, mas não adiemos o desafio maior e mais profundo que o autor nos chama a enfrentar. Coragem!
Paulo Vicente Cruz