Quando visito o universo ficcional em formação de escritoras como Cristina Bresser, que há bem pouco tempo conheci ainda como uma promessa da nossa nova literatura, o inglês Jonathan Coe, um dos meus escritores favoritos, sempre se revela um bom guia. Coe, um obcecado pela arte do encontro como manifestação algo nostálgica, não necessariamente do passado, mas de um outro presente possível (o que vejo também em Cristina), disse certa vez: “Quero que meus leitores possam passear por meus livros como se fizessem uma visita guiada a uma casa antiga e bela. (Comigo de guia, claro.)”.
As histórias de Cristina Bresser por vezes dão essa sensação de um clássico “cenas da vida privada”: quase se leem como crônicas de uma visita guiada a certa intimidade. A leitura fluida, apenas aparentemente fácil, se dá muito por conta da diversidade de contadores-de-suas-próprias-histórias, narradores que se alternam numa também bem-sucedida alternância entre humor e cenas comoventes.
Ainda que o impulso inicial seja o de compor um painel de histórias familiares e afetivas, a autora consegue, em última instância, fazer ligações entre os esquetes cômicos e os ápices emotivos e sempre voltar ao centro nervoso da(s) narrativa(s). Daí a clara noção de unidade e conjunto desta sua coletânea de estreia na ficção curta, embora nesse grande painel cada “episódio”, como se diz hoje em dia, revele personagens autônomos, únicos — um formato contemporâneo que lhe serve à perfeição, pois é o nosso tempo, na verdade, o cerne das histórias.
Por esse olhar muito particular sobre o mundo atual — um registro realista, mas peculiar; um “realismo emocional”, ou seja, assumidamente parcial —, surgem tramas às vezes extremamente incomuns, o que atiça a curiosidade a todo momento por personagens que são, além de tudo, cativantes e empáticos.
Não se trata, pois, de autobiografia, e essa é uma diferença que, pela evocação de um passado que Cristina talvez tenha vivido (ou não?), é importante demarcar: “É tudo baseado em lembranças — mas quanto disso é verdade é outra questão”, recorro novamente a Coe.
Nesse seu realismo sem constrangimentos, o que aliás soa como anátema na literatura brasileira dita “sofisticada”, e com suas histórias observadoras e descrições minuciosas, além do recurso ao diálogo sem invencionices formais gratuitas, Cristina Bresser se revela uma competente narradora — e uma promessa belamente concretizada.
Christian Schwartz