eu te observo, poeta, há noites em teu retiro,
esquecido de si,
lavrado pelas notícias do mar.
o claror nos pulsos, teus sóis aindas em vísceras erguendo-se em canções, andanças,
um violão que cruza a turquesa da estação mais quente,
o lírio de sal nos teus lábios.
dói num homem a mulher amada ali onde lhe dói o mar.
nós já estivemos aqui antes —
e tu eras ave em meus pulmões de organza,
e eu era passo em teus pés. dizíamos
eis o início de tudo
esta cidade: suas meninas dormindo inclinadas nas janelas,
a rosa dos ventos ainda entregue
às figuras do impensado,
os cabelos em naufrágio sobre os parapeitos, casas afora, afogando gentes,
ruas e avenidas.
só se aprende o mar pelo que o mar devora.
eu te observo, poeta, em teus escuros de retiro,
entreaberto pela boca apenas — teu vocabulário de óbulo de jaspe.
pela rue du caire ou em tramandaí, no anúncio da vindima ou no elã, tu segues,
e já todos os nomes do mundo me parecem pouco
para dizer do outro livro que há neste livro, mar adentro
aberto,
intocado miráculo,
infinito
como um fogo.
Mar Becker