Estes oito contos de Martim Butcher são de fato outros. Se a literatura brasileira na contemporaneidade tende às histórias identitárias, com seu realismo por vezes bruto e uma reprodução direta da(s) fala(s) popular(es), ou às distopias que figuram no futuro o que se entrevê na atualidade, esta coletânea (re)inaugura uma nova modalidade da escrita.
Os narradores de Outros escritos compõem um conjunto cuja unidade, pouco apreensível à primeira leitura, define a qualidade indiscutível desta escrita. Tal unidade relaciona-se à qualidade linguística e às escolhas de estilização da linguagem. Todos os narradores são apaixonados pelas palavras e retiram de limbos vocábulos pouco conhecidos ou termos raros, mesclando-os a formas coloquiais de enunciação. Essa mescla, em si mesma significativa, não é gratuita: ela se articula organicamente à matéria dos contos e dá forma estilística ao que neles configura o sentido do conjunto.
Trata-se, antes de qualquer especificidade temática, de dar voz àqueles que a história sequer conheceu (como em “Anunciada”, curiosa narrativa, um pouco à maneira borgiana, acerca de uma outra carta do descobrimento do Brasil que, como o navio que a levava, foi tragada pelo mar). E, sobretudo, de apresentar personagens que, mesmo ao alcançar o sucesso, orientam-se pelo fracasso (como em “Questão de tempo”, em que as fantasias do escritor premiado revelam sua autoinclinação para a derrota e a certeza de que o mundo finalmente descobrirá ser ele um embuste). O ponto máximo da ironia em que o amor às palavras choca-se com a autoanulação da obra está no irônico e delicioso “O manifesto invisível”, quando o narrador proclama seu “dom para o nada”.
Configurar esse conjunto de contos nas temáticas do fracasso e, por outro lado, da tentativa de revelar o que permaneceu desconhecido indicia um modo de conceber a literatura na contramão do que atualmente tem sido produzido. O que há, aqui — e é novo por revigorar uma tradição que parece esquecida —, reinventa homens e atos falhados ou por suas fantasias negativas ou por contingências desastrosas que, não obstante, a linguagem salva. Não por acaso, o último conto é “Introdução ao fracasso”, manual que, na contramão do ideário do sucesso a qualquer preço, revela a contrapelo o ideal da derrota.
Tudo isso e mais — que não cabe numa orelha — revela que Martim Butcher é um escritor pronto. E que queremos mais.
Ivone Daré Rabello,
crítica literária e professora da USP