Gosto de pensar que poemas são objetos de montar, coisas que podemos construir com as mãos: quebra-cabeças, tangrans, origamis. Vem do Oriente essa artesania milenar de transformar quadradinhos de papel em pássaros, flores, barcos. Ao ler o livro de estreia da poeta mineira Bia Mergener, me deparo novamente com essa metáfora que é uma espécie de afirmação do fazer poético: os poemas, assim como outros brinquedos, montam-se e desmontam-se a partir dos arranjos que criamos com nossas mãos, órgão motriz e matriz conectado à cabeça e ao coração por milhares de células e canais energéticos.
Cuidado, no entanto!
Ao contrário dos brinquedos projetados para crianças, Bia Mergener faz do risco um convite, nos propondo um flerte com a melancolia e sua potencialidade de ocupar o mundo a partir de uma sensibilização singular. O prazer (como essência do lúdico) mantém-se, entretanto, intacto. Bia fabrica seus objetos-de-papel polindo suas arestas para que sejam finas e cortantes, como o vidro e como o vento, como neste poema que se parece com uma fotografia em movimento: (sinto falta) da minha bicicleta azul/e dos cigarros blue camel que fumava/escondida — de quem? — no caminho de volta/pra casa, nos pontos de ônibus, nas ruas/escuras e úmidas de Copenhagen.
Ou como nesta outra imagem em que cor e texto confluem para um espaço poético inusitado e antagônico: Slow down, em neon na parede dos fundos/Slow down enquanto toma café (…) slow down, enquanto a vida lá/fora corre, a pressa comendo os segundos/faminta, o sol suando a testa dos passantes.
A inteligência poética da poeta encontra-se em saber que a melancolia, entretanto, é um estado transitório: uma lente. Os mesmos cacos de experiências e imagens afiadas que provocam feridas na pele fina dos dedos nos fazem querer voltar para a vida com mais curiosidade, tomar um sorvete de pistache, segurar a casquinha doce e gelada entre as mãos, imaginar (e escrever) outros mundos que possam se desdobrar no papel como os sabores ocultos se desdobram (e se revelam) na ponta da língua.
Flávia Péret