Duas histórias estão ligadas entre Almirante Castros, bairro de interior, e a capital de São Paulo. De um lado está dona Álvara, recém-viúva de Martinho e com uma tranquilidade irritante. No outro, Helinho, seu enteado, um sujeito que anda pelas ruas da metrópole, muitas vezes bêbado.
Ambos já não possuem mais nenhum laço familiar, ou quase familiar, a não ser eles próprios, o que desperta a curiosidade entre um surgir no caminho do outro. Mas como será que os destinos de Álvara e Hélio Braga se cruzarão sendo que não se encontram há mais de sete anos? Hélio mal fora no enterro de seu próprio pai…
E no meio de tudo isso, claro, muita fofoca. Dona Elsa com sua teimosia e língua afiada e sua sobrinha, dona Inácia, tio Zé, Zilu, benzedeira e conselheira, e tantos outros vizinhos que não poupam medir as palavras e opinar sobre a vida da viúva e do filho de Martinho.
Esses personagens cômicos parecem fazer parte da memória de pessoas conhecidas, e de situações das quais se não vivenciamos, no entanto, pelo menos, já ouvimos falar durante a nossa vida. Ora estamos como os que fofocam, outrora com os holofotes sobre nós.
No bairro da cidade passa também o carro de ovos, o homem vendendo produtos de limpeza, o carnaval de rua, a procissão, e no entorno dela toda, a expansão de prédios e novos moradores. Enquanto na capital, há avenidas, vida boêmia, alagamento nos bueiros, moradores de rua sob o Minhocão e outros bairros mais chiques nas proximidades.
Por meio das narrações alternadas, a escrita do autor nos atenta para uma maneira amena de questionarmos sobre a brevidade da vida em figuras de pessoas que já viveram bastante. Há muitos ecos e orelhas em Almirante Castros e em São Paulo, mas poucas vozes para dizer uma verdade limpa e ouvidos para ouvir uma mentira suja. Um tanto quanto parecido com a realidade que nos assola.
Transpasse, ó, céus, de Gustavo Araújo, além de ser um romance que aborda estigmas sociais atuais com diálogos de fácil entendimento, é uma súplica diante do absurdo e do desconhecido. Também é uma leitura divertida na qual se cria expectativa sobre a continuação de um acontecimento num capítulo mais à frente, fazendo com que várias situações circulem e movimentem-se dentro dos dois cenários.
São tantas versões nas histórias que o povo conta. Cabe apenas ao leitor decidir qual conclusão tirar de cada desfecho.
Ingrid Dearo