Isto não é um poema, mas parece, porque isto é uma câmera extraordinária (“Imagino closes, fusões e planos-sequência a cada cigarro à meia luz”, escreve a poeta). Isto não é um poema, mas parece, porque isto é um diário polifônico dos muitos modos de existir (os belíssimos “Vaga-lumes resistentes a tempestades frias”, de Mariana Torres, remetem tanto, lidos em clave de metáfora elétrica, à “sobrevivência dos vaga-lumes”, de Pasolini/Didi-Huberman); Isto não é um poema, mas parece, porque isto é um acelerador de partículas provocando mil e uma colisões entre o real e o imaginado, entre o sonhado e o vivido; é o alto-falante da mente cotidiana transmitindo perguntas poderosas para um oráculo noturno: “Lampejos de sombras íntimas – será a isso que chamam carma?”.
Sartre dizia que “imaginar é dar ao imaginário um naco de real para roer”, e quando Mariana, no ótimo poema de abertura, “Imagina”, salta da infância ao luto, numa velocidade tão vertiginosa quanto a leveza com que nos leva, percebemos estar diante de uma poeta que não hesita em nos servir, como fazem as pessoas de verdade: ora o sumo da fruta de lamber os beiços, ora o osso duro de roer do real.
Isto não é um poema, mas parece – porque isto é um livro de amor, essa condição mais radical cravada em nosso DNA. Amor mais geral, pela felicidade, pela vida, pela condição feminina, e amor mais particular, cheio de cheiros e sabores específicos, de zonas de luz, zonas de sombra, palavras e silêncios, e que, “Feito vestígio de terra em camiseta de criança”, não sai. Isto não é um poema, mas é sim, porque Eros vive e pulsa e ri ali. Isto não é um poema, mas parece
E, por fim, isto não é uma orelha ou apresentação crítica, senão teria que falar no domínio que a poeta tem do estilo enumerativo (como nos excepcionais poemas “Mudar de casa”, “Lista do dia” ou na incrível serialização “Coisas que já me disseram”) e outras questões estéticas. Isto é apenas mais uma constatação de que, para nos aproximarmos assim da vida e seus possíveis, é que existem os ótimos livros de poemas.
Carlito Azevedo