Você começa acreditando: É verdade que tudo aquilo aconteceu num dia sem data. Pode ter acontecido hoje, mais perto do almoço, enquanto você estendia as roupas no varal. Ou talvez ano passado. Você tenta identificar outros chãos pra compensar a falta de um tempo, mas percebe a desimportância disso; o título diz ser verdade, e você confia. Apesar de estar vendado, dá pra sentir alguém te puxando pela mão, um sentido sussurrado no ouvido.
As imagens nos poemas da Maria Catarina se assemelham àquelas que visualizamos em uma prática meditativa guiada: soltas em um não espaço, sem borda. E isso também não importa, você se segura no pouco que enxerga, um urso pardo, não todo, só os dentes do urso ou um pedaço das costas, ele esconde algo vermelho. Você segue lendo com a sensação de quem espia o próprio sonho.
As linhas que atravessam o livro servem ao seu propósito contrário, daí o ar onírico no texto. Elas costuram fragmentos de realidade pra dar conta do que existe no avesso. Se você mexer os dedos bem devagar, vai perceber que está acordado.
Você está diante de um abismo que mais te instiga do que amedronta, por isso segue lendo. O livro oferece o cuidado de quem não desperdiça palavra, um barco, picadas de inseto, você já viveu isso, correspondência, são só poemas metalinguísticos, não só, espera. Você ri pequeno pelos dentes, imenso por dentro. Ou não ri, porque não consegue distinguir prazer de espanto.
A escrita da Maria Catarina te faz acreditar no que não se enxerga facilmente. O eu lírico aproxima ou afasta a cena, dá a ver o todo ou parte, você se mistura à paisagem. Descobre a beleza de estar do outro lado, indiscernível, seus desejos tímidos como se esperassem na antessala, assistindo a outros desejos.
“Escuta o tilintar”. De repente são 4h40. A dobra da sua blusa encosta na barriga, você caminha até a estação, vozes metálicas te perturbam. Você questiona as direções propostas, relê o indiferente imóvel à sua frente, aguarda novas instruções, luzes se acenderam automaticamente? Quem lê empresta o corpo à prova.
Maria Catarina testa a realidade com a linguagem. Destitui o óbvio da sua origem com a humildade de quem reconhece a experiência do leitor como parte do caminho.
Mayara Blasi