Um garoto como outro qualquer, meu primeiro romance, é o projeto no qual mais me atirei de cabeça, me permitindo uma vulnerabilidade que até então nem sabia que podia ser alcançada. É o livro da minha vida. Não à toa, quando o finalizei, me veio uma sensação muito gostosa de dever cumprido. Como se eu tivesse colocado ali tudo de mim (e de fato coloquei), de maneira que nem faria mais sentido continuar escrevendo — tamanha a entrega.
Escrever este livro foi um processo terapêutico. Eu fui até o limite (e talvez além) do que eu sabia, do que eu sentia; explorei a minha escrita em termos de técnica, sentimento e intensidade. Ficção, autobiografia, prosa, poesia, ensaio, filosofia… Vida. Tá tudo ali. Eu estou ali, e muito vivo, em cada página.
Para construir essa narrativa que vai e vem no tempo e que desnuda os sentimentos mais humanos possíveis sem concessões, me inspirei em filmes como Amarcord, Cinema Paradiso, A Era do Rádio, A mão de Deus, O sopro do coração, Boyhood, e ainda nos livros de Edmund White, em Na ausência dos homens, de Philippe Bresson, Um sopro de vida, de Clarice Lispector e As vantagens de ser invisível, de Stephen Chbosky. E, ao som de Cazuza e Elis Regina, sempre com as emoções à flor da pele — e sem medo de nada —, simplesmente escrevi a história (re)imaginada da minha vida.
Ambicionei retratar a experiência do homem gay de maneira abrangente e ao mesmo tempo específica — num tempo determinado, mas com características de atemporalidade. Os desafios da autoaceitação, a jornada até a vida adulta, a busca pelo prazer, o entendimento do corpo, da mente, da alma, dos propósitos, o compreender-se como um homem, a descoberta da arte, a histórica luta da comunidade queer, amizades feitas e desfeitas, amores maiores que o mundo, desesperançados, expectativa e inocência, ficção e realidade, sonho e projeção, trauma e desejo. Trata-se de um livro sobre uma vida que é, também, um livro sobre a própria vida, e como a atravessamos.