Garimpando os fragmentos históricos que compõem o imaginário do cangaço, Edmar Monteiro Filho constrói uma narrativa envolvente que, com delicadeza, flerta com dramas universais. Nela, muitas vozes se misturam, se enfrentam e se contradizem, implicando o leitor na decifração do destino das personagens e, também, na compreensão da alma humana no emaranhado das relações sociais. A polifonia do mundo é expressa em capítulos construídos por testemunhos dos fatos: o discurso das autoridades, a “voz” dos autos criminais, a expressão dissonante do cangaceiro aprisionado e a palavra do autor — que convida o leitor à lucidez da verdade em meio ao espinheiro de enganos que constitui a matéria da vida cotidiana. Porque, diante das inverdades da vida — que toleramos e nas quais, frequentemente, nos apoiamos —, apenas a verdade da arte tem consistência. Improvável como a terra que enfrenta a secura do tempo, a verdade segue sua existência muda resistindo ao viço dos boatos, à obliquidade dos registros, à maquinação dos pensamentos íntimos, às omissões, distorções, infidelidades, delações, escaramuças, adulações, encenações e desonestidades de todo tipo. Mas, como mostra o autor por meio do belo e curioso preâmbulo — deixado ao prazer da descoberta do leitor —, a distância, esse mundo sombrio sob o drama do sol escaldante é apenas o pequeno palco onde as misérias humanas aguardam por uma benção que fale mais alto aos fatos.
Vivendo quase sem escolha em um cenário violento e rude, os personagens simples expressam a profundidade da tragédia humana. É o que temos na história de desejo, violência e ódio entre Mariano e Marianita e, em cantos menores, como a verdade aguda encarnada na existência do menino Zico. É na inverdade que movimenta o círculo vicioso de desigualdade, desconfiança e violência que o autor identifica o mecanismo que mantém ativo esse universo sem redenção. Desse modo, no reconhecimento da impostura, o leitor é conduzido à verdade.
Confissão de fé, Sete saias nos lembra que a verdade não é uma coisa que cabe na mão humana. É um caminho que se escolhe e atravessa.
Neri de Barros Almeida