Quando é que nasce um poema? Quais elementos são necessários para que uma simples informação retirada do jornal, do Google ou de uma fábula antiga possa se configurar em poema? Essas são algumas das perguntas que me fiz quando li pela primeira vez o livro de estreia da poeta mineira Ariane Viana.
Num dos poemas, “Os olhos da aranha”, a poeta conjectura sobre a possibilidade de sair de si não como uma experiência de quase-morte ou de sublimação em um nirvana hipotético, mas a partir de uma suposição fisiológica de “ver através de muitos olhos” e daí poder observar o mundo como num prisma, a partir de muitos ângulos e perspectivas. Ariane, então, escreve: “Os dramas pessoais seriam percebidos/tal qual minúsculos insetos/presos na trama”.
Os assuntos tratados no livro são variados e abordam desde a necessidade de haver bidês nos banheiros domésticos brasileiros ao fato insólito de um bairro de Belo Horizonte levar o nome de Luxemburgo. É como se os conteúdos abordados não tivessem importância por si mesmos, mas valessem sim pela fricção que podem produzir quando colocados no plano do poema. Ao explorar as diversas perspectivas das micronarrativas cotidianas em suas nuances mais sutis, muitas vezes de forma irônica ou com um toque sagaz de humor (“o cômico que perdeu peso corpóreo”), Ariane vai colando em sua teia pequenas descobertas que surgem enquanto se escova os dentes ou se coloca comida na vasilha do cachorro: “não é amor/o medo que eu sinto de você/de repente morrer?”.
Assim como diz Walter Benjamin num dos excertos colados no livro, a capacidade de se orientar em uma cidade pode não significar muita coisa, mas a habilidade de se perder como alguém que se perde numa floresta requer instrução, é possível dizer que um procedimento análogo de “aprender a se perder com método” ocorre também na escrita de um poema. Se o desejo imputado por certas palavras pode fazer deslizar, submergir, escapar ou se perder na viscosidade de certas imagens/palavras, é preciso também aprender a voltar. Se na teia do poema podem grudar moscas ou folhas, é preciso ter os olhos aguçados para saber o que se pode deglutir: melancia ou melancolia? O que tem mais peso: uma caneta Bic ou uma pistola? O que é que faz POFT quando despenca? Isto se parece mais com uma carcaça de javali ou com uma bromélia alienígena? É justo saber voltar. Recriar os verdadeiros pontos no mapa com os tesouros encontrados.
Mas, então, afinal, quando é que nasce um poema? Num dos versos Ariane escreve: “Lançada ao mar, a mensagem é pra quem a lê/Qualquer leitor é um milagre”, faz pensar no poema como esse acontecimento quase aleatório, ocasional — quem, afinal, pode saber quando algo vai grudar na fibra dessa tessitura? Mas, sim, é preciso esperar. Se o poema procura o leitor, o leitor também procura o poema. É preciso um tanto de escuta e de atenção para que o encontro aconteça — “a parte interna/do ouvido/tem o nome de caracol” e “há cavalos pastando ao pôr do sol”. Você vê?
Ana Estaregui