_sobre este livro
Toda a poesia repete o ato alucinado de uma pergunta, de múltiplas perguntas, de uma busca em direção a um lugar nenhum que nos corrói. Dito isto, lembro-me de um amigo me contar que, ao ler um poema, corava e ficava perplexo, sem saber o que fazer, incapaz de repetir o poema alto. Assim me sinto também. Falar sobre a poesia da Manuella é um exercício que sei nunca ser capaz de cumprir. Suas perguntas são suas, sua busca algo que me escapará sempre. Detive-me por isso nas palavras, lugares palpáveis deste livro e são essas que gostava de partilhar convosco. Alguns versos que me ofereceram um lugar parado no tempo, o colapso dos ruídos à minha volta, o esquecer de minha própria consciência que parece nunca querer dormir. Espero que vos possam oferecer algo de semelhante. É muito.
pés pequenos para tanto corpo.
São elas, as moscas, que chegaram pra anunciar a primavera
corpo caminho, porém morto e descompensadamente torto embora vivo
mas mesmo/ queria ser laranja de/ pomar ou chuchu na / serra que dá aos montes o ano inteiro
de cada caco varrido da tua vida em mil; / foi golpe
Enquanto me cobram hojes, passo com o carro / na frente dos bois
Ah, Renata! Eras tão clara ou mascarada / sob teus telhados de vidro estilhaçados? / Salve, Renata. Salva-te!
serpentes de todas espécimes / humanas dormem nas árvores que também cochilam / aproveitando o vento da tarde;
os outros são somente / onde eu gostaria de morar / pra não ter que morar em mim
morreu ainda com vida / e embora tenha vivido quarenta anos / Já nascera morta
Coração que pousa / no marfim elefante / dribla a morte
Judite Canha Fernandes