Líquidos dos corpos e vísceras da cidade é ao que nos expõe Gabriel Alvarenga em O cubo e outros contos cariocas. De uma ponta à outra, caminhamos através de um olhar sangrento, é sempre um corpo que sente, um olhar que atenta, um momento que pulsa. Por corpos turvos, gomosos, úmidos, flutuamos entre a cidade que se esvai violenta em esgoto e o cruel corte seco do sol sobre a testa, onde molhado é o que brota da pele.
Em todos os contos, o presente é soberano e Gabriel o apresenta por meio do suspense. Cortes no cotidiano em que, do grande angular do urbano, da rua, da noite, da feira, o que resta é um aturdido instante, uma bandeira esquecida, uma gota prestes a cair, o gozo à espreita, o som vazio de um momento, o espanto. Espanto que também é nosso ao nos depararmos com esses átimos sempre em movimento e que misturam o lodo da cidade que corre, a corrida do suor no corpo, o visual da rua que passa, o horário que marca, a melancia que se rasga.
São contos de cores vivas e contrastes — a transparência da gota e o escuro da carne, o colorido da fruta e o corte que arde — escritos feito poesia. Com sonoridade complexa, linguagem imagética, evocações musicais e referências populares, os narradores trazem algo da criança que vê tudo pela primeira vez e ao mesmo tempo a complexidade de sentimentos que só quem vê há muito tempo a mesma cena pode ter.
Uma experiência tranquila, você não vai encontrar por aqui, mas se você quer a singela monstruosidade cotidiana, leia O cubo.
Talita Tibola