Todo escritor deveria ser, antes de tudo, um grande leitor. Não pela quantidade, mas pela qualidade da leitura: abrir portas secretas entre outros textos, navegando no oceano de signos ou subindo montanhas para ver a paisagem literária alterada. E, depois do percurso, adentrar os abismos e os picos das palavras em busca de um equilíbrio entre a devoção e a criação. Tudo isso não para tomar de empréstimo estilos e imagens, e sim como possibilidades de uma linguagem particular. Conseguir isso é abrir o futuro — e esse é o elogio que sinto mais urgência de realizar diante deste volume de poemas de Davis Diniz, que estreia nestas páginas.
Convidados à dança, somos chamados pela música que aparece como substrato importante nos poemas, enquanto experiência auditiva, íntima, física, espacial e motivadora. E é nessa existência sinestésica que os poemas se formulam agregando quantos temas e formas são necessários para se desenvolverem enquanto universos de palavras.
Davis tem a capacidade de criar pequenas ilhas moventes que, aos poucos, se juntam em arquipélagos até simularem um cosmos. E em meio a essas estrelas dançantes algo relampeja para o nosso mundo em perigo: experiências de amizades, encontros, nossa implacável solidão, as ruínas do mundo ao redor, as guerras, configuram temas aqui escritos em uma tinta capaz de produzir fagulhas entre passado e futuro. Os poemas, em conjunto, não chegam a constituir uma aporia, mas apostam em uma fricção produtiva ao colocar o pensamento em movimento, sem se entregar ao niilismo, nem tampouco sucumbindo à esperança.
As greves e as mãos do poeta, os sacrificados e os sobreviventes, a casa e o mundo, memórias e esquecimento, os navios e as névoas, as novidades e as repetições, o corpo, o rio e a cama, são colocações poéticas que produzem aqui deslocamentos singulares: “pássaros / têm um tanto de barcos” ou “lembrar dos mortos / e ser enterrado pelos vivos”.
Não se trata de qualquer dança o movimento que aqui se concebe de uma a outra página: entre o desequilíbrio e o mastro, entre os momentos claudicantes e a certeza, o corpo aparece enquanto produtor de verbo capaz de nos orientar durante a turvação do olhar provocada pelo nosso mundo atual. E isso é só um pouco do que o leitor poderá encontrar nestas páginas em que a mastigação lenta só tem a oferecer mais e mais sabor.
Pedro Kalil