Você acaba de receber um segredo em mãos. Esta orelha é convite e aperitivo. Se um poema é um feitiço, que será, então, deste livro? Desejos escondidos, secretos, perigos. Códigos sociais, existências violadas, liberdade clandestina, controle dos corpos, mulheres em abismos. Sobreviver, subverter? Renata domina os feitiços; conhece os mistérios; das línguas que se costuram umas nas outras: “aqueles corpos de mulheres/ que se abraçam/ contrariam leis/ ocupam o mesmo lugar no espaço”.
Em um tempo outro, datado no futuro, com idas e vindas temporais entre relatos marcantes de neta e avó, uma sociedade (talvez) distópica violenta e infértil vigia úteros e pune mulheres que não acatam ordens heterocispatriarcais. Poeta e artista visual, Renata investiga e subverte também a escrita e o que esperamos de um livro de poesias. Romance poético? Narrativa em versos? Experimentada por algumes outrora, com coragem a autora mergulha também nesta receita, aprendida talvez nos tais livros clandestinos. Na sobre/vivência LGBT da vida: “busco mais do que nunca/ os horizontes na escrita/ e nas nossas histórias”.
A língua de Renata desfruta do gosto pelas histórias de suspense, desejo, deleites e sombras. “mia já sabia, gostava de:/ feitiços culinários e videoclipes antigos.” Medo do escuro, mas não da solidão. No breu, nos desejamos. Nos encontramos: “não enxergo futuro/ mas eu vejo você”.
Em 2020, no seu instagram, a artista deu-nos pistas de sua pesquisa em línguas outras: “‘Terei minha língua de serpente’ é parte de uma série sobre corpo e língua que venho pensando e produzindo durante o isolamento social. O título é uma citação de Gloria Anzaldúa, que tem sido uma presença, um abraço em meio aos vazios do momento.” Renata nos segreda: “a escrita aparece na minha vida como caminho, como um alívio, como certeza: usar as línguas das serpentes”.
E ecoando essas línguas, te convido a adentrar a atmosfera ficcional (atual?) de Renata Spolidoro. Atenção ao caminho: “seja bem-vinda à margem”.
Aline Miranda