A mudança é a única força imutável da vida. Como será a inescapável transformação para pessoas que nunca aprenderam essa máxima?
Dentro de uma redoma com clima controlado, um dia mais quente raiou e três personagens terão o dia mais longo de suas vidas — Aylá, tão sábia quanto trabalhadora, revivendo no corpo as profecias de suas ancestrais; Lyn, tão intensa como o artefato sob a redoma, pulsando pura indignação, noitadas e dor de cabeça; e Yur, tão gelado e vazio
como os corredores de seu laboratório.
A partir da perspectiva da transformação social, Horizonte líquido apresenta uma narrativa que caminha por ondas. No epicentro, uma sociedade cindida entre uma elite abastada e uma classe trabalhadora empobrecida. O controle social é implementado por uma polícia brutal e por uma política de enaltecer o esquecimento sistêmico, considerando que o aprendizado sobre o passado é um poder que não se deseja compartilhar. Entretanto, por uma brecha, sussurrado de boca de mãe a ouvido de filha, o passado é avivado e mudanças por justiça social, mesmo onde parecem impossíveis, são acalentadas.
A partir do universo tnwuará, com sua humanidade de pele azulada e cabelos brancos, o livro discute a crueldade das heranças coloniais, a exploração da Natureza com minas de wataby, a invisibilidade de certos trabalhadores por preconceito de raça e classe. De forma muito contemporânea, a narrativa apresenta as grandes questões da ficção científica e da fantasia ao redor do planeta, sem deixar de ser profundamente enraizada no Sul Global.
A autora Saskia Sá, além de escritora, também é cineasta premiada e transita ainda pelas artes plásticas. Assim, não é de se espantar que as imagens saiam tão vívidas da página, como se pertencessem a outras camadas da imaginação. Leitora de new weird, horror e de solarpunk, Sá apresenta neste livro uma prosa mais extensa, depois de publicar prosas curtas com sucesso em projetos reconhecidos das ficções insólitas brasileiras — a exemplo das revistas PULPA, da Escambanáutica; da Mafagafo; e da Suprassuma, da Editora Suma.
“As formigas sempre pressentem quando a tormenta vem e migram quando uma grande mudança está para chegar e destruir o seu mundo.”
Horizonte líquido é uma chave para lermos a esperança em bases reais, nas camadas de toda a intensa ficção que emana de suas páginas vibrantes.
Ana Rüsche