Galo índio

Disponibilidade: Brasil

“Me lembro que eu era um menino num fim de tarde, que virou órfão. Eu era órfão. Órfão de pai. Parece que sempre fui. Nasci assim. Meu pai era sempre a ausência de alguém que poderia, que deveria estar aqui. Uma espécie de falha, mas uma falha minha. Uma falta minha. Na escola, quando me perguntavam sobre meu pai, eu dizia “Morreu!” e lembrava que tinha que ter feito cara de triste, para parecer gente. Mas nunca fui triste por sua morte. O que me entristecia era a sua ausência. Me enraivecia sua ausência.”

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_sobre este livro

“Por quê?”, pergunta o menino diante do túmulo do pai. Primeiro, tentando se adequar ao papel do jovem órfão de quem esperam que traga a marca da perda precoce. Depois, como quem, aos poucos, se deixa tomar pela vastidão da pergunta, o nonsense da lápide em concreto frio, o nome talhado parecido com o seu e, de fato, o espanto que emerge diante da morte, da tragédia e seus não-ditos.

O que acontece quando uma pergunta vai se enraizando no peito a ponto de exigir o trabalho de uma vida?

“Uma peça autobiográfica é aquela que é impossível não fazer” é um pequeno bordão que partilho com meu amigo Rodolfo já há mais de uma década, em que vimos trocando nesse terreno movediço das criações que se dão na indiscernibilidade entre arte e vida, no território dos traumas e fantasmas. Não à toa são anos às voltas com tentativas de registros diante do fugidio da memória, à caça de pistas para completar as lacunas, a obsessão pelas diferentes versões, os sonhos, aquilo que emerge nos outros em lembranças, sustos, escapes, mágoas, suspiros, insights (porque um morto nunca é só nosso), as ressonâncias em livros, filmes (às vezes parece que tudo sintoniza com nossa paisagem interna) e, finalmente, a criação. Ela que, através de inúmeros exercícios, no formato de textos, oficinas, cenas, manejo e produção de arquivos, ficcionalizações, se torna este espaço possível para dar forma ao indizível, contorno a um vazio.

Diante dos silêncios e do tabu frente à morte, das lacunas em relação à própria história, da solidão e não-ditos impenetráveis do próprio pai, Rodolfo com pequenas unhas afiadas adentra essa paisagem escura e emerge dela como artista, filho, homem e pai, trazendo notícias de — da travessia? do trauma? do vazio? — para nós aqui, os ainda vivos.

Porque o que é aterrador é que tenhamos tão poucas respostas para a morte. E o que é maravilhoso é que tenhamos tão poucas respostas para ela e, por isso, a morte segue sendo, talvez, uma das experiências que mais produz vida naqueles que ficam. E lá se vão anos de trabalho. Trabalho de luto, de sentido, de suportar a falta dele e criar com isso. Galo índio. Celebro o nascimento deste livro, assim como celebro a jornada do meu amigo Rodolfo e seu menino de unhas afiadas.

Janaina Leite

 

_outras informações

isbn: 978-65-5900-882-7
idioma: português
encadernação: brochura
formato: 12x16,5 cm
páginas: 52 páginas
papel polén 90g
ano de edição: 2025
edição: 1ª

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