Estamos no século 21 e a vida está acelerada. Quanto mais se trabalha, mais acelerada a vida fica. Perdemos tempo no caminho e na pressa de recuperá-lo, nos alienamos mais ainda daqueles detalhes que diferenciam cada uma de nossas experiências. Os detalhes são valorosos, porque a regra é da homogeneidade. A maioria trabalha, a maioria sofre, a maioria consome (se permitido), a maioria dorme (quando dá) e começa tudo de novo como esperado. Nessa história, vamos esquecendo que a vida em comum deve unir em consciência, mas os detalhes importam. Joaquim Bührer sabe que os detalhes importam.
A “pobre alma trabalhadora” de que Bührer fala é o que resta em modo de sobrevivência, aquele pedacinho da essência humana que se tenta proteger de um sistema que cobra tudo e abocanha tudo se puder. Quem trabalha um dia morre, mas morrer trabalhando já é demais. O capitalismo já tira a vida, tirará também até a morte? Aqui nós, amantes da poesia, encontramos um dos muitos segredos que o poeta revela a cada página. eu tento ser grato, patrão, eu tento ser grato sim, patroa traz consigo a rebeldia do cotidiano do trabalho, da precariedade, das negativas sociais, que mora entre a norma da obediência de classe e o impulso corporal, consciente ou não, que impede genuína gratidão aos ladrões de alma e suas mansões.
Os poemas aqui contidos foram escritos entre 2019 e 2022. Foram atravessados por pandemia, gestão de morte, deterioração do que resta de vida da classe trabalhadora, novos módulos de opressão, repressão, perseguição e a horrenda sensação de caminharmos de volta ao passado cruel que formou as desigualdades da nação brasileira. Mas o Brasil pode ser mais, já diziam os intelectuais, seja Lélia, Florestan ou Darcy, que ensinaram que devemos olhar para o nosso lugar a partir dele mesmo. “Conspirar e sorrir”, escreve Bührer de uma forma que poderia ser um mantra, mas pela natureza política – como deveria ser – de seus poemas funciona também como um manifesto.
A quem ainda se pergunta se há tempo para a poesia se vivemos cronometrados pela uniformidade do capital: claro que há. E se por acaso não há, que o criemos. O mundo livre não irá se anunciar sem que saibamos apreciar os detalhes do hoje e do porvir. Que a pulsão de utopia que brota entre as palavras mais cansadas e as mais destemidas dos poemas de Joaquim Bührer agucem nossos sentidos para quando a hora chegar.
Sabrina Fernandes,
socióloga, autora e educadora