Em Sade, Fourier, Loyola, Roland Barthes diz que o texto é um objeto de prazer, e sua capacidade máxima de deleite é quando a escrita do outro transmigra para o nosso mundo interior: uma conjunção, uma coexistência. Mas, e quando essa fricção tão profunda é, também, da ordem da perturbação, aquela que torna o prazer perigosamente próximo da morte?
Há textos que se situam em zonas limítrofes. Agarram-nos pelos ombros e nos arrastam àquele espaço sem forma onde sexo e morte são indistinguíveis. Esse é o território em que o erótico e o pornográfico se confirmam meras categorizações culturais do prazer, suas gradações decididas por aqueles que pretendem demarcar as fronteiras entre libido e pulsão.
Aqui, Jozias Benedicto se posiciona como os invasores bárbaros da ordem de Sade, Genet, Hilst. Os autores que rasgam a pele do biombo entre o permitido e o proibido sabem que o deleite do leitor não consiste em acepção voltada exclusivamente ao aprazível e ao gozo.
Benedicto é escritor e artista visual. Não é por acaso que a força imagética de sua escrita resida na exuberância da montagem, criando um mundo oscilante em que a Barra da Tijuca é um sinistro e sublime Jardim das Hespérides, mais do que pano de fundo, elemento central de discurso que vai se esgueirando pelas brechas para se revelar avassalando tudo. É composição em que corpos se entrelaçam como numa alegoria da consumição mais voraz da vida: jogo e caça, o painel de Paolo Uccello, mas também a doce e caprichosa melancolia dos piqueniques do Rococó amalgamando-se ao Triunfo da morte, de Bruegel.
Doze noites e seus trabalhos tem fundação no mito dos Doze Trabalhos de Hércules, de onde toma emprestado, para perverter, o mote da jornada do herói, e em 120 Dias de Sodoma, de onde reconstrói a progressão cíclica: é um livro que nos conduz sem fôlego por uma luxuriante tapeçaria pontuada por fetiche, volúpia, vertigem, síncope, delírio, ameaça e, finalmente, horror. Não sem deleite.
Léo Tavares