Este livro é bicho selvagem. As palavras circulam pela escuridão, caminhando inquietas por entre as árvores, em espera salivante, aguardando o momento do bote. Farejam o ar, rosnam para a luz, e então saltam para junto da fogueira, caninos arreganhados, prontos para rasgar. Neste Desilusão de Ótica, Úrsula Antunes nos entrega narrativas que caçam o leitor pela mata, silentes, nem sempre revelando sua natureza brutal, por vezes fantástica. Sua fome é por aqueles que se arriscam no limiar, onde morre a luminosidade das chamas, os leitores transmutados em presa, pois não lhes resta outra opção. Ao darem por si, já, foram arrastados para as trevas.
E as trevas estão lá, espreitando, mesmo quando – principalmente, bem dizer – não são imediatamente visíveis. Escorrem por estes nove contos, por vezes na superfície, mais frequentemente agitando-se ameaçadoras abaixo dela. Essa escuridão rasteja no canto do olho, quando Úrsula nos traz um encontro fortuito com uma figura espectral junto à uma cachoeira, e as coisas, como na maioria das boas histórias, não são exatamente o que parecem. Também quando um trapaceiro urde um plano, repleto de vingança, morte e ilusões, para reaver um amor que crê lhe pertencer por direito…amor que não é aquele que imaginamos ser.
Por vezes, contudo, o horror deixa as sombras e se apresenta em toda a sua beleza selvagem. É o que acontece quando nos entranhamos na vida privada de uma mulher e seu gato, até o surpreendente e — que bom! — sanguinolento final. Da mesma forma ao conhecermos uma cidade no interior do Brasil, anglicizada e real, onde nem as crianças estão a salvo de algo incompreensível e de fora deste mundo. Por vezes, os contextos são históricos, como em uma clássica narrativa de fantasmas em um Rio de Janeiro oitocentista (e cuidadosamente pesquisado), onde a luxúria cobra um alto preço e os mortos não descansam.
E assim, cercando nossos pensamentos, Desilusão de Ótica abocanha nossa atenção através do insólito, do incômodo, do grotesco, por vezes do rasgadamente romântico, em seus melhores momentos se mostrando em um horror despudorado.
Frederico Toscano,
autor de O Rinoceronte na Parede, Carapaça Escura e Seja Imortal