_sobre este livro
Embora venha acompanhando a luminosa produção plástica de Edith Derdyk desde o princípio — vá lá, do final dos anos 80, quem sabe quando certos artistas começam? —não havia me advertido que ela havia avançado seus domínios para o território da poesia. Ah, a desatenção contemporânea. Poesia — sabia do seu interesse pelo livro, do objeto livro, essa “extensão da memória e da imaginação”, como defendia Jorge Luis Borges — a poeta já havia incorporado há décadas como desdobramento natural de sua produção plástica integral e coerentemente dedicada à linha. Matéria prima preferencial da artista, dos desenhos sobre papel às anexações de espaços arquitetônicos que ela vem realizando, a linha, solitária, ou reunida em feixes densos como os anéis de Saturno, é a grande protagonista de sua obra, responsável por sua singularidade.
A relação da linha com cadernos e livros é mais que natural, é óbvia. Já quando crianças fomos aprendendo a domar o desenho das palavras, lidamos com a natureza cambiante de cada um desses seres cheios de personalidade que são as letras do nosso alfabeto, tendo como recurso o gesto de estirar e pousá-las sobre os fios finos retilíneos e pênseis das pautas.
Edith vai estendendo linhas pelos espaços, criando nuvens carregadas de energia, e agora, sem perder seu modo particular de demonstrar a voragem de um único fio esticado, engata essa pesquisa ao interior da palavra, pensando sua matéria maleável, o modo como sua sonoridade, sua posição, sua articulação com outras palavras irradia sentidos inadvertidos. À instabilidade imanente da palavra ela propõe que sua precisão resulta das inúmeras e latentes variações. Dos poemas mais longos como céu, da língua e dos dentes, silêncio, aos enxutos, como buraco, luz, sombra, corpo, recuando até algo e arroio, entre os mais concisos, o que se tem é a tentativa incansável de cercar a coisa, definir o substantivo escolhido, o que é o mesmo que avaliar suas metamorfoses, as oscilações de seu corpo em virtude do avizinhamento de outros corpos, outras palavras, capazes de deformá-los mais ou menos.
As poesias de Edith têm algo próprio à refração de uma onda quando atravessa um outro meio e se abre em espectros, como a luz incidindo sobre gotículas em suspensão. Ela sopesa as palavras, analisa, ausculta e as quebra, percebendo a potencialidade de suas sementes, demonstrando que a inconstância e a flutuação compõem os riscos de se jogar com elas.
Agnaldo Farias