_sobre este livro
Como tudo que temos de mais pulsante na produção artística carioca, a poesia de Adriana Nolasco acontece nas frestas. A poeta, que também é uma operária da cultura, afirma essa escolha há tempos em todos seus luminosos trabalhos no audiovisual, chafurdando na ruína, fazendo festa com o resto, sempre oferecendo uma chance de aproximação de uma alegria possível a partir da abertura de brechas.
O convite, desta vez, consiste em observar a vida que excede nos interiores, nos azulejos, nas tramas do cabelo anelado, no pavê de biscoito champanhe etc., para, por meio desses vestígios, sonhar (ou retomar?) novos modos de convivência/conivência. Estes poemas, que se põem a inventariar o mínimo, costuram-se sobre o fluxo cotidiano e podem ser lidos como um diário de bordo ou um caderno de notas. São fragmentos que nos lembram de que a vida é fruição, como nos avisa Ailton Krenak.
É verdade que “Bigodes sujos de mar” privilegia o resíduo — o sal que ficou nos pelos do rosto —, partindo de um movimento introspectivo – o mergulho dentro da cabeça, que guarda “a rosa”, “a manicure”, ou dentro do quarto que “tinha um mundo”. Até quando sai à rua, seus versos focalizam o vazio da barriga do homem. Contudo, o livro não ignora que nunca foi tão premente dizer que “a liberdade é uma esquina” e tem como premissa, principalmente em tempos tão embrutecidos, o gesto de insubordinação, que se dá na ocupação dos espaços públicos, do mato, do céu, pela dança e pelo prazer.
Outros momentos bonitos da obra giram em torno de sua troça malandra e da ludicidade. Como Louise Burgeois, a poeta cultiva uma relação de ternura com uma aranha — a quem chama de Miriam —, que faz sua moradia em uma caixa de remédios psiquiátricos. Para ambas artistas, o aracnídeo é amigável e a arte é garantia de sanidade; e, em um planeta cada vez mais insano, cujos valores são modulados pelo consumo, impelindo-nos a uma falsa ideia de bem-estar, nada mais adequado do que criar uma aranha “antidepressiva, antiabusiva, antifascista e ansiolítica”.
O leitor encontrará aqui essas mesmas propriedades. E poderia ser de outro jeito? Quando nos perguntamos, como nos aconselha Barthes, que textos poderiam ser afirmados “como uma força neste mundo”, a resposta, para Adriana, parece clara. São versos solares, apesar de apontarem o escuro. São poemas, sobretudo, anticapitalistas — como se esse não fosse o gênero menos prestigiado pelo mercado, — que convocam à insubmissão (“se existem roupas por que não ficar nua?”) e que são pelo não esgotamento das subjetividades. É uma poesia cuspida, de afeto, de alegria. E nada é mais urgente, nesse momento, do que pensar, com ela, o sorriso como “uma espécie de insurreição”.
Carla Oliveira