O terceiro livro de Letícia Simões é água. Abrigadouro de vidas, transmutada em formas variadas, mas água, uma só: a que se bebe, a que se chora, onde se nada, água doce, salgada ou ácida, sólida ou gasosa, toda ela, uma, a mesma.
Antes de cruzar o Atlântico, a autora transfigura-se no estado líquido e morno do lado de cá do oceano e de dentro de si, se surpreende e nos dá a ver novos tons de Azuis. Azul é a presença que a poeta deságua no mundo inspirando a quem lê, incorporar a reviravolta do tornado, a dança sutil do vento pela casa e a paciência do vulcão. A poesia desta obra está, justamente, nas mudanças de estado que a autora-água cursa enquanto se lança no mar da investigação, nos permitindo imergir no seu corpo-oceano, sentir suas temperaturas quentes ou duras e sua sabedoria pré-lógica, ora naufragando, ora gargalhando.
Assim como no seu ensaio autobiográfico audiovisual Casa, o movimento imagético-emocional deste livro de poemas nos desperta duas palavras que, juntas, nos faltam nos dias de hoje: coragem e beleza. Tudo isso com a concretude do mistério das coisas aninhada no colo de uma mulher que tem fé nas miúdas grandezas da vida, enquanto faz, talvez, sua maior travessia.
Antes de cruzar o Atlântico abre o coração e a simplicidade da gente com uma honestidade rara. Ao acompanhar seu deslocamento, a autora propicia, generosamente, o mergulho em nossas próprias fundações e, na simples ação de engolir, nos permite ficar defronte à ânima da água mansa logo após ela mesma ter caído em tempestade.