Pombos são aves que convivem intensamente com os humanos em muitas partes do globo, servindo como seus mensageiros, como símbolo da paz ou como ícone religioso. Nas últimas décadas, no entanto, pombos parecem ter sido reduzidos, simplesmente, a uma praga urbana. Diante desta ambivalência dos pombos, propus-me a etnografar as relações entre pessoas e pombos no Porto de Santos, no litoral sul do estado de São Paulo, onde as aves se fazem presentes em demasia, de forma incômoda, atraídas pela grande movimentação de grãos no local.
Neste livro analiso como os pombos são, simultaneamente, animais-signos e animais-agentes, duas perspectivas que têm sido utilizadas por antropólogos para se pensar (com) os animais. Isso significa compreender esses animais enquanto seres ativos, que agem no, e com o, mundo, ao mesmo tempo em que também podem ser bons para se pensar as sociedades humanas.
Também analiso como a compreensão das relações entre pessoas e pombos transcende as classificações biológicas, que não são suficientes para entender tal complexidade. Insisto na recusa de se pensar antropologicamente sob os termos de espécie, tendo em vista que (alguns) pombos, ratos, ou mesmo humanos — aqueles que são indesejados, marginais, sujos e invisíveis — parecem ter muito mais em comum entre si do que seus “outros amados” de “mesma espécie”.
As relações entre humanos e animais aqui analisadas têm muito a dizer não apenas das classificações que são (im)postas aos pombos, mas ainda das disputas pelo espaço urbano e portuário e dos conflitos institucionais e políticos que ali se desenrolam. Se pombos são “animais do Império”, como sugere Donna Haraway (2016), por terem colonizado o mundo juntamente dos homens brancos europeus, essas aves também dominaram e modificaram espaços já antes habitados. A arquitetura citadina não é pensada para abrigar esses seres marginais e indesejados, esses outros não amados. Mas é lá que eles estão!
Desde uma perspectiva antropológica, entendo que esta pesquisa constitui um passo a mais para nossa imaginação de modos diferentes de conviver, em que humanos e não humanos possam viver juntos.