Maria está com medo. No tempo da nossa amizade, não me acostumei a ver Maria como alguém com medo. Então, agora que ela tem medo, quase sinto um prazer mórbido. Estranhamente, o que põe medo nela é – pasmem – fazer um livro de poemas. Maria leva – sempre achei – a poesia muito a sério, apesar do bom humor com que fala da coisa e de uma exigência ácida muito particular sobre assuntos literários, que geralmente me fazem rir. Então estamos mais acostumados a rir juntos.
Maria, como muitos sabem, é uma estudiosa compulsiva e perfeccionista. Boas notas do início ao fim dos tempos. Acho isso também muito engraçado, embora inveje. E aqui vem ela com este livro e me pedindo coisas como quem precisasse delas. Logo a mim, que tenho tão pouco ou – tenho refletido – quase nada.
Mas não consigo negar porque tudo isso é como Maria diz bem no poema dedicado a mim e que ela usou como fina chantagem emocional para me trazer até este mistério bonito chamado Maria Caú. Sinto-me seguro com ela, mesmo dentro da sua insegurança.
Maria é filha de um poeta puro, um poeta total, condição ingrata que não desejo a ninguém. E que acontece, sobretudo com alguns poetas de ofício. Mas, até aqui, não com Maria, porque ela trabalha com cinema, além de ser uma acadêmica 24/7. Então eu ficava aliviado, porque ela estava livre, por assim dizer, de uma espécie de maldição. Mas, como toda maldição, esta não teve pressa e tem pernas compridas. Veio pegar Maria pelo pé, aos 38 anos, com este livro de poemas, tão intenso como uma náusea em alto mar, mas ao som do acasalamento dos golfinhos. Porque corre sangue no medo de Maria. Viemos, os dois, de casas esgotadas, o que seria também um bom título para este livro, já que todos temos sido, ultimamente, como caracóis de cascos quebrados.
Quando Maria me falou pela primeira vez do seu livro, eu disse a ela que o verso do seu pai, “jamais me afogarei”, deveria ser o título. “Mas eu me afogo o tempo todo”, ela replicou com uma risada. E foi então que vi, no medo de Maria, uma beleza faminta de estar sempre se afogando e nunca repleta de mar, ao contrário do pai que, com todo mar do mundo, não se afoga jamais. Ali ela invertia a maldição paterna para declarar sua própria maldição e, com isso, sempre parcialmente, poder sentir-se livre. Eu vejo uma amiga caminhando sobre escombros, com firmeza, ternura e, agora sei, muito medo. Que medo bonito esse! Agora ele é de todos nós. E, na forma de poema, torna-se uma espécie rara de coragem.
Leonardo Marona